Beto: A nossa geração demonstra um espírito de maior contestação do que as gerações anteriores, mas temo que as gerações mais novas (incluído a nossa) sejam também demasiado anárquicas, sem sentido de responsabilidade, nem respeito por regras e de valorização da excelência. Contesta-se por se contestar, sem causas ou fundo de razão.
Rui: Partilho o teu receio em relação à potencial anarquia e falta de valores das futuras gerações, embora talvez não o veja como problema inerente a essas gerações, mas sim ao actual estado social.
Essas gerações, para evoluir, precisam de exemplos, de "heróis", de um modelo que possam tentar adaptar à sua realidade. Ora, para mim, o problema reside exactamente aí. Com o passar dos anos, vemos um desligar em relação à politica cada vez mais acentuado sobretudo nas camadas mais jovens. Será que se trata de um problema dessa geração per si, ou da crescente descrença na classe politica? Eu apontaria para a segunda opção pois, quando tento imaginar-me a crescer a partir de Guterres, por exemplo, tenho muita dificuldade em encontrar motivação para me interessar por problemas de estado.
No fundo, o que me parece fundamental é entender que nem essa evolução vem de baixo para cima, nem de cima para baixo. Agora, sem dúvida alguma que sem uma liderança forte, exemplar e sobretudo digna e honrada, é difícil motivar as nossas crianças a desenvolverem interesse e espírito critico por algo em que não encontram interesse nem valor.
Beto: Muitos podem dizer que temos a mania de culpar os políticos de tudo. Eu não os culpo de tudo, mas culpo de não fazerem o que deve ser feito, de não serem o melhor exemplo para os restantes.
Rui: Exactamente: Exemplo. O cerne da questão reside aí: em dar o exemplo.
Mais: os politicos são como são porque nós, enquanto cidadãos (mais do que como eleitores), assim o permitimos ou assim os molda-mos.
Beto: Há cinco anos lembrei-me de processar o Estado por enviar o meu voto para o lixo, pegando em dois exemplos claros: O CDS teve mais 100mil votos do que nas eleições anteriores e teve menos um deputado na Assembleia; O PS teve maioria absoluta com cerca de 45% dos votos. Isto vai contra os princípios básicos da Constituição Portuguesa, a igualdade. Um voto no PS (ou no partido vencedor) vale mais do que um voto no CDS ou de qualquer outro partido.
Rui: Pois, acaba por ser um pouco baseado no esquema "the rich get richer".
Beto: Com um processo destes, conseguiríamos obrigar os próprios partidos a mudar a lei eleitoral. Sei que sou um simples cidadão, mas parece-me ser necessária uma alteração que se aproxime da lei eleitoral brasileira: voto obrigatório e listas individuais (tu votas na pessoa que queres e não no partido, independentemente de pertencer ou não a um partido).
Rui: Do ponto de vista conceptual, também me agrada bastante a lei brasileira. Mas tenho algum receio que isso possa trazer ainda mais populismo, devido à falta de dignidade profissional (lá está ela, mais uma vez) da classe política.
Beto: Sou da opinião que se deve acabar com os círculos eleitorais, que pouco representam a população do distrito (tu sabes quem são os deputados do circulo eleitoral de Aveiro?).
Rui: Totalmente de acordo! Acrescentaria: e que servem apenas para criar mais alguns "tachos".
Beto: Devem ser permitidas candidaturas independentes para combater os lobbies partidários. As equipas ministeriais devem ser conhecidas antes das eleições, bem como o programa do governo.
Rui: Isso parece-me um ponto crucial! Isso seria para mim uma forma híbrida de implementares o tal voto no individuo que referias acima, pois assim não estarias tanto a votar num partido mas numa equipa completa, com a planificação já elaborada.
Para isso funcionar, seria também necessária uma maior transparência por parte do governo, para que todos pudessem fazer o tal plano para governar baseado no estado real do país e não em dados escamoteados.
Beto: Depois tem que haver alterações profundas à Constituição: cada partido que ganha, altera as leis, estas vão para a constituição, mas tem sempre as leis anteriores e algumas continuam em vigor. Isto gera confusão! Tenta perceber o que está em vigor sobre um determinado tema à tua escolha. Não te chega ler o último Decreto-lei, tens que ler os anteriores, os esclarecimentos, os despachos dos Conselhos de Ministros e por aí fora.
Rui: Isso é um problema de base, que mais uma vez nasce do típico populismo ou, diria eu, "votismo" dos nossos políticos. "O governo anterior fez isto, portanto nós faremos o contrário!", sobretudo nas questões polémicas. Daí que vejas políticos que, enquanto na oposição, defendam uma posição contrária à do Governo relativamente a um tópico polémico e que divida a sociedade e, enquanto governantes, passem para o outro lado.
No fundo, é o problema que persiste em Portugal e para o qual não se vislumbra solução: a não existência de oposição, mas sim de uma critica destrutiva. Posto de outra forma, existe o governo e existem os do contra.
Beto: Aqui tenho que concordar com o Alberto João Jardim: A constituição tem que ter leis gerais e básicas, como os direitos e deveres dos cidadãos. Tudo o resto é programa de governo, só fica em vigor durante a legislatura.
O Medina Carreira apontou um sistema presidencial, o que não me parece mau de todo, mas para tal é necessário distribuir os poderes de outra forma para não entrarmos numa populismo como se está a viver na Venezuela. Assim, talvez fosse necessário criar as regiões e haver um ministro por região. A Assembleia da República podia ser reduzida e passar a exercer um poder de maior regulação em lugar de um poder legislativo.
Rui: Totalmente de acordo!
Repara que tocas num ponto fundamental: parlamento como entidade reguladora. Eu acrescentaria: entidade reguladora e imparcial. Porque esse é também um dos nossos maiores problemas enquanto sociedade: a falta de regulação/fiscalização eficiente, transparente e sobretudo imparcial.
Beto: Bem, estas são algumas ideias no que concerne ao sistema eleitoral e legislativo. Dá a tua opinião...
Rui: Pá, e fazer um blog onde postaríamos estas nossas discussões?