terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Emigração de professores e de objectividade

As declarações de Pedro Passos Coelho sobre os professores excedentários levantaram uma enorme polémica. Para lá da questão moral ou politica subjacente (deve um Primeiro Ministro incitar à emigração? As declarações foram mal interpretadas?), a práxis foi a usual e o debate político esvaziou-se de conteúdo e, sobretudo, de objectividade.

Havendo um excedente de professores, podemos questionar que papel (se algum) deve o Estado assumir na correcção desse excedente. Deve o Estado absorver o excesso no sistema público de ensino, redireccionando esses recursos humanos para outras funções? Deve o Estado promover a requalificação desta mão de obra para a redireccionar no mercado de trabalho? Deve o Estado fomentar serviços alternativos que podem ser desempenhados por professores, levando a que estes criem o seu próprio emprego aproveitando as suas qualificações actuais? Ou deve o Estado esperar que o mercado de trabalho se auto-regule?

A questão central é outra: há um excedente de professores?

Consideremos estatísticas relativas ao ano lectivo de 2008/2009. Na página 68 do pdf, encontramos o número de alunos por aluno:

Ensino Alunos/Professor
Pré-Escolar 15,1
1º Ciclo 14,2
2º Ciclo 7,6
3º Ciclo + Secundário 7,6

Estes valores foram obtidos através de dados não disponibilizados com a granularidade necessária para os trabalhar. Consideremos então a relação aluno/professor na sua forma mais crua, i.e. não levando em conta que um aluno pode ter vários professores e um professor várias turmas. Deste modo, o número de alunos por professor é obtido dividindo o total de alunos pelo total de professores. Na página 15 do pdf, temos o seguinte número de alunos e o número de professores:

Ensino Nº Alunos Nº Professores Alunos/Professor
Pré-Escolar 274 628 18 242 15,1
1º Ciclo 488 114 34 361 14,2
2º Ciclo 271 924 34 069 8,0
3º Ciclo +
Secundário
1 021 482 91 325 11,2

Tanto no pré-escolar como no 1º ciclo do básico, a regra é um professor responsável por todas as matérias, o que faz com que o valor não se altere. Já nos casos do 2º Ciclo e do 3º Ciclo + Secundário, verificamos um aumento do número de alunos por professor, o que significa que o número médio de turmas ao cargo de um professor é superior ao número médio de professores de um aluno.

Podemos recorrer aos dados do World Bank para enquadrar globalmente estes valores (selecção de países minha):

País Valor
Alemanha 13,0
Bélgica 11,1
China 17,2
Espanha 12,6
Estados Unidos 13,9
França 18,7
Liechtenstein 6,5
Polónia 9,6
Portugal 11,2
Reino Unido 18,0
Suécia 9,3
União Europeia 14,5

Mapa com a distribuição global do número de alunos por professor


Data from World Bank
(vermelho mais carregado indica maior relação aluno/professor)

Analisemos agora a flutuação do número de alunos por professor, em função da variação do número de professores, para o actual número de alunos.


Para ilustrar numericamente a influência da variação do número de professores na relação aluno/professor, consideremos a seguinte tabela, onde é apresentado o número de alunos por professor, para diferentes variações do número de professores.

Ensino -25% Prof. -10% Prof. Actual +10% Prof. +25% Prof.
Pré-Escolar 20,1 16,7 15,1 13,7 12,0
1º Ciclo 18,9 15,8 14,2 12,9 11,4
2º Ciclo 10,6 8,9 8,0 7,3 6,4
3º Ciclo+
Secundário
14,9 12,4 11,2 10,2 8,9
Var. Prof.
Absoluta
-44 500 Prof. -17 800 Prof. +0 Prof. +17 800 Prof. +44 500 Prof.

Analisemos agora a variação do número de alunos por professor em função do número de alunos, para o actual número de professores.


Para ilustrar numericamente a influência da variação do número de alunos na relação aluno/professor, consideremos a seguinte tabela, onde é apresentado o número de alunos por professor, para diferentes variações do número de alunos.

Ensino -10% Alunos -5% Alunos Actual +5% Alunos +10% Alunos
Pré-Escolar 13,5 14,3 15,1 15,8 16,6
1º Ciclo 12,8 13,5 14,2 14,9 15,6
2º Ciclo 7,2 7,6 8,0 8,4 8,8
3º Ciclo+
Secundário
10,1 10,6 11,2 11,7 12,3
Var. Prof.
Absoluta
-205 615 Alunos -102 808 Alunos +0 Alunos 102 808 Alunos 205 615 Alunos

Podemos também analisar qual deve ser a variação do número de professores que garante a actual razão alunos/professor, para uma dada variação do número de alunos. Este caso é simples, pois é possível demonstrar que ambos devem variar por igual. Ou seja, se o número de alunos variar X% e quisermos manter a mesma relação aluno/professor, então o número de professores deve diminuir variar também X%.

O número de alunos por professor é uma métrica que se centra na qualidade do ensino, embora isolada signifique muito pouco. É uma métrica muito relevante para a discussão sobre sobre o excesso ou a escassez de professores em Portugal. Com base nesta análise (ou similares), podemos tentar responder à questão central: há um excedente de professores? Só partindo daqui é que podemos analisar qual a posição que o Estado deve tomar e, consequentemente, discutir a validade moral, politica e prática dos comentários do Primeiro Ministro português.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Out-sourcing de soberania

Uma das tão faladas “reformas estruturais” em curso, a venda de 20% do capital da EDP ainda na posse do Estado Português, está a ser feita porque “o Estado é mau gestor” e porque “o Estado não tem de se imiscuir nos negócios”. O Estado, entenda-se, Português, porque outros Estados, como a Alemanha, a China ou o Brasil, esses sim, poderão vir a imiscuir-se nos negócios da EDP. Mas o Estado Português não, porque esse é mau gestor. Bons, são os outros.

Não sei porquê, esta estória lembra-me um pequeno Bosquimano, numa planície árida, que procura o fim do mundo para aí deixar uma garrafa de coca-cola que caiu do céu.

Quando um dia alguém escrever a história deste período, deverá soar tão louca como a do PREC…

De volta ao Séc. XIX

A eletricidade, para além do aumento de 4% indicado pela ERSE, vai ter o IVA agravado de 6% para 23%. Deixa, assim, de ser um produto de primeira necessidade, deixa de ser um bem essencial.

Mas será, hoje em dia, possível viver sem eletricidade? Sem elevadores? Sem refrigeração elétrica? Sem iluminação elétrica? Sem computadores e telemóveis? Sem motores elétricos nas fábricas? Mesmo admitindo que é tecnicamente possível, porque efetivamente é, viver sem eletricidade (já foi experimentado no passado com reconhecido sucesso), é nesse sentido que queremos caminhar, de volta ao Séc. XIX? De volta ao tempo em que a eletricidade era um bem de luxo?

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Sobre a desistência da Nissan

Muito se discutiu hoje sobre a questão da desistência da Nissan do investimento numa fábrica de baterias em Cacia. Parece-me, contudo, que ninguém viu o problema com clareza, e o dia passou-se em torno de um ping-pong partidário algo patético e autista de passagem da culpa.

Creio, no entanto, que a desistência da Nissan é uma amostra clara de que deixou de ser atrativo investir em Portugal. Com a eletricidade cara e futuramente ainda mais cara, com IVA a 23%, com as ex-SCUTS a serem pagas e a preços exorbitantes, com os portos demasiado caros para a sua qualidade geral, onde é que Portugal é atrativo para investimentos deste género? Já pensaram em quanto não aumentou, desde que foi previsto, o custo de produção e escoamento dessas baterias?

Não é com a ½ hora a mais de trabalho por semana e a abolição dos feriados em dias úteis que se vai convencer empresas como a Nissan a virem para Portugal. É mesmo preciso apresentarmos custos competitivos e infraestruturas eficazes. Infelizmente, nada aponta nesse sentido. Quem sabe, quando a Auto-Europa nos deixar, alguém abra os olhinhos para ver o que é óbvio.