quarta-feira, 8 de abril de 2009

Um sistema de propinas baseado no mérito

Estando eu inserido no tecido académico português, o tema do financiamento do ensino superior português toca-me especialmente. Parece-me claro que ainda estamos longe de um sistema equilibrado e sustentável de financiamento das universidades públicas, mas alguns passos estão a ser dados nesse sentido.

De entre inúmeras variáveis que influenciam este financiamento (por exemplo, a interacção entre o tecido empresarial e a comunidade cientifica portuguesa), o que me traz aqui hoje é a questão das propinas. Eu sou da opinião de que todos devem ter acesso à educação, é inquestionável. Numa utopia, numa sociedade perfeita, em que não existe a chico-espertice e o oportunismo, onde de facto todos vêm a educação como uma forma de evolução pessoal e não apenas como uma forma de ir à mercearia e ouvir a Sra. Amélia a tratá-lo por Sr. Doutor, esse acesso seria gratuito. Mas nós não vivemos numa utopia (infelizmente... ou então felizmente, não sei). Além disso, embora não seja diplomático dizê-lo, nem todos chegam à maioridade com capacidades para singrarem a nível académico.

Cada aluno tem um custo para a universidade e esse custo naturalmente tem de ser pago pelo aluno. A questão é sobretudo como. Passo a explicar: um aluno pode pagar à sua universidade do modo usual (dinheiro) ou através de serviços. Ou mais interessante ainda, através do seu próprio mérito, trazendo reputação (e tudo o que daí advém para a universidade).

Assim, o que eu defendo é uma propina única para todos os alunos juntamente com um "desconto" baseado exclusivamente no mérito escolar de cada aluno. A questão é como fazer um tal sistema funcionar. Para isso, vou recorrer a um exemplo (académico).

Na Universidade A, o curso X tem 100 alunos inscritos no 2º ano. Estima-se que o custo que a Universidade tem com cada um destes alunos é de 1000€ anuais (o que perfaz um custo total de 100 000€ anuais). O objectivo é criar um sistema de propinas que preencha os seguintes requisitos:

  1. Permitir à Universidade cobrir os custos com estes alunos;
  2. Premiar o desempenho escolar de cada aluno.

Com esse objectivo, a Universidade A fixa o valor da propina anual para o 2º ano do curso X em 2000€. Se a instituição decidir cobrar este valor a cada um dos alunos, obterá 200 000€, o que permitiria satisfazer amplamente o primeiro requisito. Mas fica por satisfazer o segundo dos requisitos: motivar o elevado rendimento escolar.

Para corresponder a este ultimo requisito, a Universidade ordena os alunos por média das classificações às disciplinas frequentadas no ano lectivo anterior. Caso o aluno não tenha obtido aprovação a uma das disciplinas, a Universidade faz atribui a esse aluno nota 0 nessa disciplina. Após consultar a sua posição nesta lista ordenada de classificações, o aluno consulta a seguinte tabela para saber quanto deve pagar:



Com este sistema, ambos os requisitos são satisfeitos. O sucesso escolar é claramente premiado, fomentando assim uma cultura de exigência e de excelência. Quanto ao primeiro requisito, utilizando este esquema de descontos, a Universidade obtém 104 000€, satisfazendo assim as suas necessidades de liquidez.

Podemos tentar atacar este modelo (é exactamente isso que pretendo dos meus leitores: ver o modelo apedrejado) partindo de questões de índole social. Podemos argumentar que os ditos “meninos de papá rico” não se importariam de pagar a propina na sua totalidade (caso estejam na cauda da lista). Essa situação parece-me inevitável. Contudo, penso que com este sistema a grande fatia dos alunos sentir-se-á impelida a melhorar o seu rendimento escolar, o que elevará a qualidade de todos, incluindo os que estão na cauda da lista bem como os que estão no topo. Assim, a qualidade passaria a ser premiada, o que, a médio/longo prazo, levaria a uma redução considerável dos efeitos da questão acima descrita. Quanto a alunos das classes sociais mais baixas, este sistema premeia a qualidade dos alunos, logo estes alunos estariam protegidos e seriam apoiados naturalmente, de um modo proporcional às suas capacidades.

Este sistema pode ainda ter por detrás um sistema de acção social, mas não me parece uma boa solução. Basta ver o sistema de acção social actual, em que inúmeras injustiças se cometem e milhares de euros são investidos em alunos que não fornecem retorno à Universidade. Assim, num sistema como o que proponho aqui, não é essencial a existência de um sistema de Acção Social, pois o próprio sistema já introduz apoios a quem revelar mérito para tal e esse apoio é proporcional ao mérito revelado.

6 comentários:

  1. Ainda não tinha atirado nenhuma pedra - nem tão pouco um grão de areia - mas achei esta questão demasiado importante para não o fazer (fica prometido um grande calhau...).

    A questão é delicada e, tal como qualquer outra questão que mova milhões de "oiros" e defina estratos sociais e o seu futuro, provoca opiniões díspares e, muitas vezes, disparatadas. Felizmente, não é o caso desta. No entanto, surge-me a necessidade não de contrariar a ideia do RC mas sim de lançar a confusão e a consequente discussão.

    Ora bem, a questão é simples: eu também estudei no ensino superior (comprovam a frequência, pelo menos, as inscrições) e sei, por experiência própria, que a realidade do ensino superior em Portugal é diversa e moralmente corrupta. O que é que eu quero dizer com isto? Nem eu sei mas gosto bastante de falar em corrupção: agita sempre as pessoas e, no nosso quadro social, pode ser que crie outra manifestação nacional aleatória.

    Explicando: se o sistema proposto pelo Rui cria, utopicamente, uma melhoria do sistema (concordo plenamente que, muito mais do que uma melhor nota final de curso, uma redução de custos impelisse os estudantes a "esfalfarem-se") é possível que alguns alunos do ensino superior - sem distinção de classe económica - não tenham capacidade cognitiva ou disponibilidade para usufruirem desse mérito. Com isto defino todos aqueles que, mesmo estudando o triplo de outros, não conseguirão atingir o desejado mérito e aqueles que, por não terem uma base financeira sustentável se vêem obrigados a partilhar o seu tempo de estudo com um part(ou full)-time: sem resultados suficiente meritórios, caem assim num esforço não retornado que poderá, mais tarde, originar depressões e o efeito contrário, i.e., a ideia de que não valerá a pena o esforço. Sendo o mérito mensurável, se compararmos dois alunos com as mesmas capacidades cognitivas mas em que um tem metade do tempo possível de estudo (imagine-se que um "não faz bolha" como aconteceu no meu caso e outro trabalha para se auto-sustentar) chegaremos à conclusão de que o sistema provocará mais uma vez o elitismo. Nesta situação, alguém poderá sugerir que um bom sistema de apoio social funcionaria como um bom aliado. Concordo, mas não estaremos - como afirmado pelo Rui - a cair na utopia de que a nossa chico-espertice irá desaparecer? Num país em que um trabalhador liberal recebe x e declara x/10 isso funcionará? Pano para mangas, caros amigos. Ou, no contexto, pedras para arremesso.

    Claro que esta minha visão apocalíptica só serve para explicar que, mesmo existindo um sistema óptimo quer para a sustentabilidade do sistema quer para o engrandecimento das instituições e dos seus quadros científicos, só será prolífico caso muita coisa mude no nosso "calhau à beira-mar plantado". Ainda assim, e aconchegando os lençóis ao RC, prefiro o teu sistema ao actual... :c)



    PS (lembrei-me após ter escrito tudo e o raciocínio estava tão bonito que não quis estragar...): um aluno do curso que eu resolvi tirar "custava" à Universidade (dados fidedignos fornecidos pela Rádio Alcatifa) 1000€. O curso de medicina "custava" 2500€. Será justo as propinas serem proporcionais?

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  2. Aqui vai uma pedrada de um outro estreante por estas andanças de apredrejamentos vocabulares (Já pensava o Ablerto Soares ao ouvir o Bexiguinha que afinal "as palavras são pedras")...

    Apesar de concordar com a visão do Rui, não acho que o actual sistema de propinas seja errado, dada a existência de outros tantos "mecanismos de compensação".

    Para isso pego no meu caso. Desde que sou aluno do ensino superior usufrui de Bolsas de Estudo. O valor destas apenas servia para me pagar as propinas. A única maneira de a manter seria ter aproveitamento escolar (teria de fazer no mínimo 40% das cadeiras a que me encontrava inscrito e compensar as que faltavam no ano seguinte). Neste ponto de vista acho este sistema bem melhor do que o propões, porque acredito que toda a gente possa ter um mau semestre,e isso não devia implicar pagar a mais...

    Quanto aos mecanismos de compensação temos ainda alguns (se bem que de qualidade discutível), senão veja-se. Para alunos do 1º-3º ano existem Bolsas de Integração na Investigação (vulgo BII) de valor 140€, Bolsas de Iniciação Científica (BIC) de valor 385€. Para as pessoas que estão no segundo ciclo podemos adicionar mais uma: Bolsas de investigação (BI) de valor 745€.

    Quero eu chegar ao ponto de dizer que estes sim, são os descontos que se devem dar aos alunos que se mostrem excelentes e que directamente vão influenciar a academia.

    O lado negro é que as pessoas que deviam motivar os alunos para estas bolsas e que as deveriam disponibilizar, são aquelas que preferem guardar o dinheiro da FCT no seu bolso e no bolso dos seus colegas.

    Já agora deixo mais umas perguntas aplicável à tua proposta.

    - Como controlas a subversão do sistema (estou já a ver os profs a sofrerem pressão por parte dos senhores reitores para baixarem as notas aos alunos quando o dinheiro faltar)...

    - Como avalias a diferença entre os cursos? Tirar um curso de física de partículas não é propriamente a mesma coisa que tirar um curso de português... Ou sugeres que independentemente da dificuldade, os escalões/descontos devem ser os mesmos?

    - O que acontece nos nossos conhecidos anos de limpeza? Onde está a justiça nesses anos?

    Nota: as perguntas são aplicadas ao mundo/estado real do nosso ensino e não ao utúpico.
    Bem sei que todos preferimos este segundo, mas temos de viver na nossa realidade :)

    Abraço.

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  3. É um tema complicado.
    Se bem percebi o Rui o que ele propõe não é que os piores alunos paguem mais mas sim que os melhores paguem menos. É diferente. Acho que é uma boa ideia mas que necessita de limar algumas arestas. Claro que é um modelo criticável, como já aqui foi assinalado. Alguns, por muito que se esforcem não conseguiram nunca entrar no quadro de mérito, por variadas razões. Mas não há modelos perfeitos. Já há algumas bolsas de mérito mas a ideia que tenho é que são insuficientes e que cada instituição de ensino superior fixa as suas. Mas penso que são um bom incentivo para os alunos se aplicarem mais e todos ganham com isso - os alunos, a Universidade e o próprio país. Se todos os alunos dessem o seu melhor na faculdade tenho a certeza que estariamos à altura das tão prestigiadas Universidades do estrangeiro. E quando saíssem da faculdade já vinham habituados à ideia de que no trabalho têm que dar o seu melhor, o que hoje em dia é essencial! Agora, toda a gente sabe que não é assim, que há cursos para todos os gostos (e ainda bem) e que há várias formas de fazer o curso. E que em Portugal ainda vale muito a máxima de que, bem ou mal, o que interessa é fazer. E depois, quem tiver mais sorte (ou a melhor cunha) é quem se safa melhor!
    Por isso defendo que há que incentivar e premiar o mérito. É bom para todos.
    Penso, contudo, que a acção social é muito importante. Há muitos alunos que sem a bolsa não podem estudar e mesmo assim muitas vezes têm que trabalhar. E, diga-se o que se disser, é sempre muito mais dificil para os alunos com fracos recursos económicos conseguirem estudar e terem boas notas (porque muitas vezes têm que trabalhar também, porque quase nunca têm ninguém que os esclareça na familia, porque a tentação de largar os estudos e ir trabalhar é maior...) do que para os outros (em que os pais pagam a faculdade e ainda o ginásio, o cinema, os jantares, o carro e o aluno só tem que ir estudando, mas pouco, para não se cansar muito...).
    O que é preciso é que os serviços de acção social funcionem melhor. Muito melhor!

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  4. Um aluno que passa com 20 ou com 10 custa o mesmo à Universidade, e por isso não parece ser muito justo criar um mecanismo de incentivo/penalização puramente baseado na nota. Eu percebo que deva existir um incentivo ao mérito, mas esse poderá passar por pagar aos melhores e não cobrar aos medianos.

    Passo, então, a contra-propor um outro método de financiamento que, para além de promover o sucesso (a nota positiva nas cadeiras do curso), mas não necessariamente o mérito (a nota alta), ataca o problema do desperdício (as faltas, o não aproveitamento). Por outro lado, o sistema acomoda de forma simples o problema das propinas para os alunos ordinário ou trabalhadores-estudantes, o problema dos alunos que pagam o mesmo para frequentar um número diferente de propinas e o problema (?) da manutenção dos veteranos.

    O método baseia-se no princípio do comprometimento (commitment, em Inglês). Cada aluno compromete-se a fazer C cadeiras em cada período lectivo (semestre ou ano). E paga uma propina P por cadeira, logo no período em causa paga CxP. Se nesse período conseguir aproveitamento a A cadeiras, recebe AxP, ficando a perder (C-A)xP.

    Vejamos, então, os méritos desta aproximação:

    1 - Os alunos tenderão a inscrever-se apenas nas cadeiras que contam efectivamente fazer, evitando a inscrição a granel só para tentar fazer cadeiras. Daqui advém um ganho para a Universidade em termos de afectação de recursos, fazendo naturalmente desaparecer um "alunos fantasma". As aulas poderão ser melhor dimensionadas e o corpo docente melhor distribuído. Por outro lado, os alunos terão menor tendência para desistir à primeira dificuldade, porque isso passa a ter um custo.

    2 - Os alunos que nunca reprovarem a nenhuma cadeira fazem o curso com custo 0, quer sejam alunos ordinários quer sejam trabalhadores-estudantes. É irrelevante o tempo que se leva a frequentar o curso, o que interessa é que o comprometimento com as disciplinas seja cumprido em cada período lectivo. Os custo por período lectivo passa a ser proporcional ao número de cadeiras que o aluno se compromete fazer no mesmo, e não um valor fixo e constante para todos.

    3 - Os veteranos e demais "profissionais da praxe" podem continuar a existir sem custos acrescidos. Mas deixam de ser um custo para a Universidade.

    4 - Quem tiver dinheiro e não se preocupar em o gastar, pode dar-se ao luxo de não ser tão exigente no seu comprometimento, mas dessa forma financia o sistema.

    5 - Finalmente, o dinheiro "libertado" pela melhr afectação dos recusros e pelos que praticarem a inscrição em excesso poderá ser usado para premiar os melhores.

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  5. Uau!, vejo que consegui o que queria: ser apedrejado :-) Não literalmente, claro!

    Estive de férias (roam-se de inveja, sim!), e só agora começo a voltar ao mundo "real". Prometo reacções para muito em breve!

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  6. Caro Rui,

    Penso que o problema fundamental é ver o ensino universtitário público como um serviço prestado ao aluno. Parece-me mais correcto considerá-lo um serviço prestado à sociedade. Não só porque todos beneficiamos de uma boa educação pública como porque a educação é um direito fundamental que compete à sociedade garantir.

    Nesse sentido, penso que o financiamento deve ser principalmente público e as propinas servirem apenas de taxa moderadora ou algo semelhante.

    E qualquer coisa que ligue o dinheiro às notas colocaria pressões adicionais a quem avalia. Como professor não me sentiria nada confortável com um sistema onde dar uma nota melhor a um aluno mais abastado ia impedir a continuação dos estudos a um colega com dificuldades financeiras...

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