terça-feira, 9 de junho de 2009

A precisão das sondagens e o efeito de realimentação

Mais umas eleições, mais uns erros das sondagens e mais uns políticos nervosos com o assunto. Refiro-me, concretamente, a Pedro Santana Lopes e António Bagão Félix, no programa que terminou à pouco na RTP1. O segundo chegou mesmo a afirmar, se bem me lembro, que era preciso uma auditoria às técnicas usadas pelas empresas de sondagens ...

Vejamos bem as coisas. As sondagens não são ciência exacta, porque se fossem poupava-se a preparação das eleições, a ida às urnas e o escrutínio. Portanto, é normal que existam erros.

Vejamos então os erros. Ontem viu-se (eu não vi, porque apenas ouvi a RDP1, mas outros viram) que das 3 sondagens obtidas à boca da urna, duas delas deram números errados, muito embora tenham dado ambas a vitória ao PSD. Admitamos as seguintes fontes para os enganos:
  1. As empresas manipularam os resultados; ou
  2. Os eleitores sondados mentiram no voto "paralelo"; ou
  3. As empresas de sondagens escolheram mal os locais de amostragem.

A primeira fonte é ilógica, porque revela um comportamento irracional das empresas, uma vez que os resultados errados não lhes trazem qualquer benefício, apenas compromentem o seu futuro comercial.

A segunda é possível, mas tem de ser considerada como falsa para que se possa acreditar nas sondagens. Ou seja, se se partir do princípio que os eleitores amostrados mentem, então é inutil fazer sondagens. Além disso, mentir é à partida considerado pelas empresas de sondagens um comportamento não racional porque não traz benefício a quem mente (a menos que suspeite que o elemento fornecido na sondagem o possa prejudicar se for indevidamente divulgado, o que não é um receio totalmente infundado).

Resta a terceira. A escolha dos locais de amostragem é em si mesma uma ciência. O que normalmente se procura é locais onde, numa pequena escala, existe um comportamento similar à escala nacional. O problema que se coloca a esta aproximação é a continuidade com o passado. Por exemplo, quando em 1985 apareceu o PRD nas eleições, não havia experiência passada com o mesmo, logo não existia qualquer indicação sobre quais os locais a sondar ... e o resultado das sondagens, realizadas por Serras Gago, foi, como podem imaginar, um completo fiasco.

Pois bem, nestas eleições não apareceu nenhum partido com peso significativo, mas apareceram muitos eleitores novos desde as últimas europeias, em 2004, e já não temos eleições desde 2005. Tudo isto introduz um efeito de distorção que pode ser mais ou menos significativo, consoante se tenha sorte ou azar na escolha dos locais de amostragem. E creio que foi isto que aconteceu.

Quanto às sondagens que foram realizadas antes do dia das eleições, podem-se aplicar todos os raciocínios anteriormente indicados e mais dois ainda:

  1. A escolha do método de selecção de eleitores é mais complexa do que no processo "à boca da urna".
  2. A divulgação de resultados de sondagens pode influenciar os eleitores, criando um processo de realimentação positiva ou negativa complexo, porque depende de cada eleitor individualmente.

Admitindo que as empresas de sondagens são honestas, e que não manipulam resultados para fins específicos, aparentemente neste processo eleitoral a escolha do método de selecção de eleitores falhou estrondosamente. Mas isto é apenas se não contarmos com o efeito do ponto 2, que na minha óptica pode ser crítico para desmobilizar votantes (quando o seu partido está com uma vantagem "confortável") ou para mobilizar votantes (quando o seu partido está "nas lonas"). Eu não digo que foi isso que aconteceu, até porque não tenho meios para o verificar, mas afirmo que é perfeitamente possível que aconteça e que tenha acontecido. É como o princípio de incerteza de Heisenberg, não é possível saber com exactidão e divulgar as preferências dos votantes, porque após a divulgação as suas preferências podem ser mudadas pelas mesmas.

Imaginem, por um instante, o que aconteceria se o processo eleitoral fosse iterativo, ou seja, o que aconteceria se uma pessoa, após conhecido o resultado, pudesse reiterar com o sistema de modo a alterar a sua participação anterior (por exemplo, votando quando antes se absteve, votando num pequeno partido quando antes votou útil num grande, etc.). Imaginem isso e têm o efeito das sondagens.

E aqui chegamos, finalmente, onde eu queria chegar: auditoria de processos de sondagem? Acham mesmo que é possível? Acham mesmo que existe um modelo absolutamente fidedigno, certificável, que permita ter sondagens "perfeitas", das tais que podem substituir eleições?

7 comentários:

  1. Seria, pelo menos, sério que as empresas repensassem os seus métodos de trabalho... pq os erros começam a ser clamorosos e repetidos.

    Também acho normal que quem é sistematicamente vítima de erro das sondagens se manifeste. Até que ponto uma sondagem condiciona o voto de um indeciso?

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  2. Provavelmente as amostras dos institutos de sondagem foram mal escolhidas. Algmas observações sobre sondagens pré-eleitorais:

    1) Sondagens realizada durante a semana afetam o resultado nas zonas residenciais, pois há deslocamento para o trabalho/faculdade. Durante a semana quem fica nas zonas residencias são principalmente idosos, reformados, donas de casa, desempregados, pessoas de férias, isto é, população não economicamente ativa.

    2) Uma outra possibilidade é que o perfil do eleitor que vai abster-se não foi bem capturado.

    3) Os resultados das sondagens têm 95% de probabilidade de estarem dentro da margem de erro. Devemos sempre lembrar que podemos estar nos outros 5%.

    4) Ainda há o facto de haver quase 1 milhão de "eleitores fantasmas" em Portugal. A distribuição destes eleitores afeta claramente a amostra das sondagens.

    5) Finalmente a respeito do efeito no eleitor, acho que as sondagens estimulam o voto útil por parte dos indecisos.

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  3. Acho um fenómeno interessante o modo como os resultados se vão alterando ao longo do escrutínio. Normalmente quando começam a surgir os primeiros resultados temporários, estes vão de encontro às sondagens, mas nas pontas finais, quando já estão quase todos os votos apurados, a diferença entre os resultados das sondagens e as votações reais disparam...

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  4. http://margensdeerro.blogspot.com/

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  5. Creio que é indiscutivel que as sondagens influenciam os eleitores. E isso, necessariamente, representa um problema para quem faz as sondagens, porque a realidade que aferem muda assim que a publicam.

    Quanto à qualidade das empresas, creio que isso é um problema grave mas para a sobrevivência do seu próprio negócio, não para terceiros, porque quem fornecer resultados correctos é que terá negócio. Quem é que estará disposto a contratar uma empresa de sondagens que não acerta uma?

    Já agora, porque razão os partidos queixosos não contratam as empresas de sondagens que consideram perfeitas para realizarem e publicarem as sondagens correctas?

    Quanto à influência das sondagens nas eleições, creio que todas as especulações são possíveis. No entanto, gostava de salientar um aspecto que me parece relevante quanto ao chamado "voto útil", referido pelo Tiago.

    O voto útil pode aparecer quando a pessoa considera que o voto num partido com pouca expressão não contribuirá para uma solução de futuro (por exemplo, para constituir uma maioria de apoio a um governo, ex. PP->PSD) ou quando, existindo já uma base de apoio substancial em quem normalmente capta o voto útil (ex. PSD), se pode relaxar nessa convergência e apostar um voto alternativo, mais próximo de algumas convições pessoais (ex. PP). Pensem novamente na hipótese de iterasção com o sistema de voto que antes referi.

    A gestão destas dinâmicas é para os sociólogos, não para mim, que sou engenheiro. Mas uma coisa parece-me clara: o voto útil é muito mais crítico quando se vota para o parlamento nacional, porque daí resulta uma responsabilidade de nomear um PM e apoiar um governo, do que no parlamento europeu, onde os votos lusos se perdem num mar de outros.

    E, portanto, se há eleições onde não creio que o voto útil funcione, é precisamente nas eleições para o parlamento europeu. Logo, não acredito que sondagem alguma, nestas eleições, tenha estimulado o voto útil. Penso mesmo que foi o contrário, se alguém tinha razões para protestar contra o governo, esta era uma excelente ocasião, porque poderia prescindir totalmente da opção pelo voto útil. E há um facto incontornável que sustenta esta tese: os votos em branco, expressão inequívoca de protesto e totalmente inúteis enquanto condicionadores dos eleitos escolhidos, foram 4,6%.

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  6. E o que acham desta proposta do CDS? Eu cá penso que, como vocês acima o dizem, as sondagens influenciam muitos eleitores, logo deturpam os resultados nas urnas. Embora pense que isso representa uma percentagem mínima dos votos...

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  7. O que eu penso dessa proposta do CDS/PP é que é uma perfeita patetice. Nos tempos actuais, com a Internet como meio de comunicação transnacional, com a capacidade de deixar passar informação mesmo em cenários críticos e controlados, como no Irão, dizer uma baboseira dessas é mesmo de quem se nega a enfrentar a realidade. Basta ver o que se passa com o segredo de justiça ...

    Eu tenho uma proposta melhor e 100% garantida. Já que sabem tanto de sondagens, e têm tantos empreendedores filiados, porque não criam uma empresa de sondagens melhor que as demais? Ficariam rapidamente com todo o negócio... e assim já não se sentiriam defraudados. Afinal, não são os grandes defensores do mercado livre? Força, vão em frente, estarei convosco!

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