segunda-feira, 1 de junho de 2009

A matemática, a segurança e o legislador português

O legislador português, frequentemente considerado como exímio, tem no entanto alguma propensão para não conseguir enquadrar na sua produção legislativa a exequibilidade da mesma. Falta-lhe, claramente, uma perspectiva de engenheiro (visão egocêntrica, que fique claro, sem qualquer relação com a formação do nosso Primeiro).

Um exemplo simples desta lacuna crítica é o número de deputados no nosso parlamento (230), que proporciona, e já proporcionou, empates em votações relevantes. Tal não significa que os empates não possam acontecer com qualquer número de deputados, uma vez que isso apenas depende do número de abstenções. Mas o facto de o número de deputados não ser impar potencia os empates mesmo quando não há abstenções. Como já aconteceu, dando origem à curta-metragem do queijo Limiano.

O exemplo mais recente é o da (não) eleição do Provedor de Justiça. O Provedor é, nos termos da Constituição, um órgão do Estado eleito pela Assembleia da República, que tem por função principal a defesa e promoção dos direitos, liberdades, garantias e interesses legítimos dos cidadãos, assegurando, através de meios informais, a justiça e a legalidade do exercício dos poderes públicos. As acções do Provedor de Justiça exercem-se, nomeadamente, no âmbito da actividade dos serviços da administração pública central, regional e local, das Forças Armadas, dos institutos públicos, das empresas públicas ou de capitais maioritariamente públicos ou concessionárias de serviços públicos ou de exploração de bens do domínio público.

Por tudo isto, é conveniente que o Provedor seja uma pessoa de reconhecido mérito e competência e equidistância entre partidos, porque os poderes que ele poderá ter de enfrentar podem ser muito diversos durante o seu mandato. Desta lógica deriva a maioria de 2/3 dos deputados.

Pois bem, na teoria o princípio dos 2/3 faz sentido, mas na prática ele pode ser bloqueado. Ou seja, basta que um partido com pelo menos 77 deputados, por uma qualquer razão (não interessa qual) não queira que um Provedor seja eleito para que tal não aconteça. Na área da segurança tal é conhecido como uma negação de prestação de serviço (ou Denial of Service, DoS, em inglês). E não há nada a fazer ... a não ser mudar o sistema!

A lição a tirar deste triste exemplo é a seguinte: em qualquer caso tem de haver uma solução; pode não ser a melhor, mas tem de haver uma. Neste caso, por exemplo, a escolha poderia passar da Assembleia para o Provedor anterior, ou para o Presidente da República. Mas a continuação deste impasse é algo de indesejável, que o legislador tinha obrigação de ter acautelado e não acautelou.

Um comentário:

  1. 1) Geralmente o presidente da Assembléia não participa das votações, o que torna, na prática, o número de deputados votantes ímpar.

    2) Saiu a notícia de que o provedor pode renunciar. Como fica a situação ?

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