terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Um regime de pensões Simplex

O almoço de hoje teve como prato principal uma discussão acesa com o Tiago Vinhoza e o João Almeida sobre possíveis modelos para regimes de pensões. No final, decidimos desenhar um sistema de pensões simplificado. Muito simplificado. Pró-Simplex, portanto.

Em primeiro lugar, todos os trabalhadores são abrangidos pelo mesmo sistema, pelas mesmas regras. Discussões sobre uma possível flat rate ficam para os comentários. Como em qualquer regime de pensões, o trabalhador entrega ao Estado uma percentagem do seu ordenado mensal (aqui assumimos 12 meses por ano), a que chamamos de "Taxa Contributiva". Após recolher o depósito de todos os trabalhadores, o Estado investe esse valor onde pretender (onde investir é outra excelente discussão), obtendo um lucro (mensal). No modelo simplista que apresento abaixo, assumo que esse lucro é uma percentagem fixa do valor investido, e chamo a essa percentagem "Taxa de Juros" (no modelo apresentada como anual, sendo depois distribuída de forma uniforme ao longo dos meses do ano. O lucro obtido é acumulado ao anterior.

Até aqui nada de novo, penso. Onde decidimos simplificar (eu diria "tornar mais justo") foi no cálculo do valor da pensão a pagar ao trabalhador. Em primeiro lugar, somamos o valor de todas as contribuições mensais ao longo da vida contributiva do trabalhador. A esta soma, acrescentamos uma parte dos lucros obtidos mensalmente pelo Estado ao investir o dinheiro entregue pelos trabalhadores. A divisão dos lucros fica ao critério dos utilizadores. Ao valor total desta soma dá-se o nome de "Bolo do Trabalhador".

Depois de obter o Bolo do Trabalhador, o cálculo da pensão é simples. Considera-se que o tempo esperado na reforma é obtido como a diferença entre a esperança média de vida no país e a idade do trabalhador no inicio da reforma. O valor da pensão mensal a pagar (12 meses por ano) é obtido dividindo o Bolo do Trabalhador pelo tempo esperado na reforma (em meses). Só falta acrescentar que, em caso de desemprego, o subsidio pago ao trabalhador é descontado no cálculo do Bolo do Trabalhador.

Resumidamente, soma-se todo o dinheiro que o trabalhador descontou ao longo da sua vida, acrescenta-se uma parte dos lucros obtidos pelo Estado, e divide-se esse total pelo número esperado de meses na reforma (com base na esperança média de vida). Simples, como prometido.

Note-se que, após o inicio da reforma, o Bolo do Trabalhador não lhe é entregue de uma vez só. Logo, o Estado pode continuar a investir o montante que ainda tem, mas desta vez não há divisão de lucros. Isto acontece por dois motivos: primeiro, porque seria complicado ajustar o valor mensal da reforma com estes lucros adicionais, mas sobretudo porque estes lucros podem ser utilizados para salvaguardar o (bom) caso de o trabalhador viver mais do que a esperança média de vida. Para além disso, considero que o valor mensal da reforma é também actualizado anualmente de acordo com a Taxa de Inflação.

Surge naturalmente a questão da sustentabilidade de tal regime. Ora, como o que o trabalhador recebe é no fundo o que ele contribuiu, o sistema torna-se auto-sustentável, se ignorarmos casos excepcionais (reformas por invalidez ou subsidios de desemprego, por exemplo). Ora, a menos que todos os lucros sejam entregues ao trabalhador, o Estado obtém ele mesmo lucro. Será esse lucro suficiente para compensar casos excepcionais e o caso de trabalhadores que vivem para além da esperança média de vida? Boa pergunta...

Ora, sem meios para poder responder, decidi deixar a avaliação para o leitor. Para isso, construí o formulário abaixo onde pode experimentar este sistema para os valores que desejar. Para os cálculos, assumi que o trabalhador tem um ordenado base, que é actualizado anualmente com base na taxa de inflação (também aqui fixa ao longo da vida). Para finalizar, em vez de considerar a esperança média de vida, deixo ao leitor a liberdade de escolher o número de anos de trabalho e o número esperado de anos de reforma.

Um modelo irrealista, claro. Mas já dá para tirar algumas ilações. Experimentem e comentem.

Ordenado (mensal):
Taxa Contributiva: %
Inflação (anual): %
Taxa de Juros (anual): %
Número de Anos de Trabalho:
Idade de Entrada na Reforma: anos
Esperança Média de Vida: anos
Tempo de Vida Real: anos
Divisão de Lucros: % do lucro para o Estado




Adenda: reparem que o cálculo mudou ligeiramente. Na versão inicial, não estava considerado o facto de o Estado não entregar o Bolo do Trabalhador de uma vez só e, assim, poder continuar a investir.

12 comentários:

  1. Porque será que se vê imediatamente que és engenheiro? Deve ser porque o que dizes é perfeitamente lógico. Não davas para advogado ...

    Há algumas questões que importa considerar, mas no geral estou 100% de acordo. Esqueceste é que quem tratou do modelo actual tratou antes de mais da sua reforma, e da reforma dos seus eleitores, e quem vier a seguir que se lixe e feche a porta. Esta é que é a triste realidade.

    O bolo para a reforma não pode ser distribuído totalmente até à data da esperança média de vida, caso contrário quando o pensionista a atinge fica sem pensão. Tem de se arranjar algo próximo do paradoxo de Zenão, que vá diminuindo a pensão mas não a anule à medida que a idade aumenta. Estas pensões para além do tempo médio de vida poderiam ser compensadas pelas não auferidas pelos que falecessem antes da mesma.

    O subsídeo de desemprego deveria também seguir essa lógica do bolo, ou seja, os subsídeos seriam retirados do bolo acomulado segundo porções indicadas pelo próprio, e quando chegasse a zero o subsídeo parava. Um brincalhão que passe a vida a "comer" do bolo no final não tem pensão. É justo.

    Finalmente, a Segurança Social tem de se pagar, e é uma máquina tremendamente grande (basta ver em Aveiro, é o maior edifício em altura da cidade). Esses vão comer dos bolos alheios. Mas estou convencido que quanto mais simples for o modelo, como o apresentas, menos pessoal terá a Segurança Social de ter, logo menos comem do bolo alheio.

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  2. Olá André!

    Bem, comentaste ainda antes de por o script a funcionar! Agora já podes experimentar :-)

    "O bolo para a reforma não pode ser distribuído totalmente até à data da esperança média de vida, caso contrário quando o pensionista a atinge fica sem pensão."

    A ideia não seria essa. Continuarias a pagar o mesmo valor, até à morte. Claro que haverá pessoas que morrerão para lá da esperança média, onde o Estado poderá ter prejuízo (dependendo de como partes os lucros), outras que morrerão antes, onde o Estado terá lucro superior. No final de contas, teremos um equilíbrio.

    Quanto aos gastos da própria Segurança Social, é de facto algo em aberto. Mas a ideia é mesmo essa: com um sistema bem simples, o número de funcionários necessários decresce radicalmente.

    Além disso, vê os valores que obtemos como lucro para o Estado... :-)

    P.S. Não sou engenheiro. Sou matemático! :D

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  3. Por uma questão de equilíbrio e justiça, eu tentaria acrescentar uma medida que não altera em nada os valores, mas sim o modo como o bolo é distribuído ao longo dos restantes anos de vida.

    Tendo a pessoa acumulado um bolo em determinado montante, poderia-se usar uma distribuição normal (com variância elevada) para distribuir os ganhos ao longo dos meses. A ideia é simples, dar bastante dinheiro inicialmente ao reformado de modo a que ele o possa investir, reduzindo ao longo dos meses esse mesmo valor.

    Se a pessoa investir esse dinheiro de forma segura, consegue rentabilizar e tirar proveito do alto valor distribuído no inicio dos anos de reforma, compensando entao os valores menores que receberá subsequentemente.

    Se a pessoa ultrapassar a esperança média de vida, teria de viver do dinheiro dos investimentos que fez. Em último recurso poderia existir um fundo que garantia que estas pessoas não passariam dificuldades, sendo esperado que este fundo não precise de muito dinheiro e possa ser garantido com o lucro que o estado obteve com as contribuições destas pessoas (afinal não é a função do estado proteger os seus cidadãos?).

    Para uma mais justa distribuição (i.e. para o estado não nos surripiar os bolsos mais uma vez), eu proporia que para o caso de alguém que não ultrapasse a esperança média de vida, o valor restante do bolo reverta em forma de pensão de viuvez ou pensão para filhos. Desta forma assegura-se que o dinheiro ficaria na posse dos familiares do trabalhador, tendo o estado um lucro extra, apenas no caso de não haver descendência.

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  4. Correcção: a distribuição seria uma normal truncada em vez de uma normal simples - obrigado Rui :)

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  5. André,

    A tua intuição não está errada. Há engenheiros na equipa.

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  6. Acho que podemos até testar um sistema hibrido.

    1) o trabalhador quer deixar pensão pros descendentes
    2) o trabalhador optar por não deixar pensão para os descendentes.

    neste caso, os lucros poderiam ser repartidos de forma diferente. No caso 1) o estado fica com uma parte maior do bolo e teria como dar uma pensão mensal a viuva ou aos filhos depois da morte do trabalhador.

    No caso 2) o trabalhador ganha mais quando se reforma. Pode-se tentar depois ver se há como criar um mecanismo para que a viúva receba o resto do bolo do trabalhador (em one shot fashion) depois que ele morrer.

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  7. João,

    A ideia de usar uma normal truncada na distribuição do bolo do trabalhador é interessante, mas corres o risco de as pessoas não controlarem o que recebem e ficarem os últimos anos da reforma com muito pouco dinheiro. De qualquer modo, uma distribuição com um decaimento muito leve seria muito interessante.

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  8. Tiago,

    O caso 1 não implicaria uma redução drástica da reforma, para que o sistema fosse sustentável?

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  9. Tudo é uma questão de sentar e fazer as contas. Claramente o valor da reforma teria que ser reduzido para permitir uma pensão à viúva. Por outro lado, o facto dos pagamentos serem mensais e aos poucos deixa aberta a possibilidade do bolo render mais para o estado.

    Pensei nesta idéia apenas como uma forma de flexibilizar o sistema de modo que quem seja aderente tenha possa ter a opção de deixar uma fonte de renda para um herdeiro.

    O que acontece nos planos de reforma que conheço é que podes dividir a tua contribuição em duas partes (uma para o bolo da tua reforma e outra para o bolo de pensão para os teus herdeiros). Mas é como disse no primeiro parágrafo. Temos de sentar e fazer as contas para determinar a viabilidade de tal opção.

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  10. Cada vez tenho mais a certeza de que o nosso país está a ser mal governado. Basta vermos que uma ideia tão simples como esta e de tão fácil entendimento se torne um bicho de 7 cabeças para qualquer político. Isto acontece porque os nossos políticos têm o "rabo caçado" e não podem tomar decisões práticas que vão contra os interesses que os mantêm no poder. Por outro lado, quem manda tem que tornar tudo tão complicado, para esconder a sua incompetência e afastar o comum dos mortais destas decisões, abrindo assim espaço à corrupção, ao desvio de dinheiro e à contabilidade paralela.

    Quanto à ideia simplex para as reformas é uma ideia simples, prática, transparente e de fácil entendimento para todos. Haverá mais alguma característica que se deseje para uma decisão política?
    No entanto não me parece muito sensato diminuir a reforma no fim da vida de uma pessoa. Nessa fase da vida os medicamentos são ainda mais caros, ou em maior quantidade, gastam-se milhares de euros mensais em lares ou hospitais. Apenas consideraria esta possibilidade se o Estado garantisse assistência capaz a doentes acamados, sejam eles ricos ou pobres.
    Quanto à ideia dos herdeiros receberem parte do "bolo" relativa a familiares falecidos, penso ser importante verificar determinados factores. As pensões à viúva e aos filhos menores ou dependentes devem vir desse "bolo". No entanto tenho algumas reservas sobre a transmissão de direitos entre herdeiros...

    No que concerne ao subsídio de desemprego, essa medida seria, sem dúvida, inibidora de situações de desemprego prolongado por opção do próprio. Mas atenção que há situações de desemprego que não dependem do próprio.

    Por fim, queria deixar algumas questões: Como calcular pensões de invalidez? Desenvolviam algum sistema de transição? Este sistema anularia a acumulação de pensões, no entanto não anula a acumulação entre pensões e ordenados... propõem alguma alteração ou liberalizavam esta questão?

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  11. Assim está a incentivar a previdência privada... a segurança social privada! Pode ser uma idéia, mas...

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  12. Penso que está a pensar já uns passos à frente. Neste modelo, o dinheiro das contribuições fica do lado do Estado, e não no privado, para permitir ao Estado lucrar, suportando assim apoios sociais diversos.

    Claro que podemos liberalizar e permitir ao trabalhador escolher entre o Estado e o Privado, mas isso já é outra conversa.

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