quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

A lógica da indemnização por despedimento

Decorrem (ou decorreram) negociações para diminuir as indemnizações por despedimento. Eu imagino a profundidade das argumentações em tão renhida disputa em sede de Concertação Social, quando não vi apontar qualquer racional para a medida que não fosse o de nos aproximarmos do que fazem os demais países da UE. Mas será que é isso que verdadeiramente interessa?

Indo ao fundo da questão, para que serve a indemnização? Sim, porque sem se compreender para que ela existe não é possível discutir o seu valor. Eu, pelo menos, não consigo, mas também não estou a candidatar-me a ministro.

Vejo fundamentalmente uma razão para a sua existência: apoiar o desempregado caso seja difícil arranjar emprego daí em diante, para além do apoio concedido pelo subsídio de desemprego. Assumindo que esta é a principal razão, então o subsídio deveria ser proporcional a três grandezas: (1) à idade do despedido; (2) à percentagem de desempregados com a mesma formação/profissão do despedido e (3) ao salário do despedido.

A primeira grandeza é a que actualmente se usa: um mês de ordenado por cada ano de serviço. A idade é relevante porquanto se sabe que trabalhadores mais idosos têm maior dificuldade de arranjar emprego, porque os empregadores normalmente preferem pessoas mais jovens, mais abertas à inovação e com maior resistência física.

A segunda grandeza graduaria a dificuldade de arranjar um novo emprego tendo em conta a formação e o emprego anterior do despedido. Quantos mais despedidos houver nas mesmas circunstâncias, mais difícil lhes é de arranjar um novo emprego. No entanto, creio que esta avaliação é muito complexa de realizar e é bastante subjectiva, logo não deverá ser tomada em consideração.

A terceira grandeza graduaria a capacidade o despedido de sobreviver se continuasse desempregado após o término do subsídio de desemprego. Creio que é óbvio que quem aufere o salário mínimo não tem a mesma capacidade de sobrevivência que o Presidente da TAP, caso ambos estivessem sujeitos ao mesmo cenário de desemprego prolongado. E esta grandeza é bastante fácil de quantificar, porque é função do salário, logo de um dado objectivo.

Se se adoptasse esta política de cálculo da indemnização por despedimento conseguiam-se, para além disso, dois outros resultados muito interessantes. O primeiro seria que deixaria de ser assim tão compensador empregar de forma temporária, precária, pagando o salário mínimo. Ou seja, o trabalho precário, que existirá sempre, tenderia assim a ser bem pago, o que é justo porque o trabalhador precário deverá estar mais precavido contra a incerteza do seu futuro emprego. O segundo seria que os gestores fantásticos das nossas empresas públicas ou semi-públicas poderiam deixar de ter subsídios em caso de despedimento, o que seria óptimo para as finanças nacionais.

Caçadores de cabeças

Depois da bronca envolvendo o Cartão de Cidadão e do número de eleitor, eis que assistimos a uma enorme campanha de “caça” aos responsáveis, mais propriamente ao chamado “responsável político”, o ministro do MAI. Curiosamente, ou talvez não, os "caçadores de cabeças" (ou da cabeça) apoiaram o ganhador da eleição, e não os perdedores. Normalmente são os perdedores que buscam culpas em terceiros, e procuram bodes expiatórios, mas neste caso são os ganhadores. Sinal do nosso avanço civilizacional, sem dúvida.

Mas o mais espantoso é que se peçam responsabilidades políticas ao ministro (cá na Lusitânia aponta-se sempre de ministro para cima) quando ainda não se sabe se a culpa se deve a opções políticas do mesmo (v.g. corte de verbas indicadas como necessárias para o correcto apetrechamento do sistema, opção pelo não envio de cartas aos detentores mais recentes do Cartão de Cidadão, etc.), a opções políticas dos seus subordinados ou a causas técnicas (v.g. mau dimensionamento do sistema, deficiente previsão das falhas prováveis, implantação pouco defensiva, falta de pessoal de prevenção, inexistência de sistemas alternativos, etc.).

Sejamos correctos e honestos. Neste momento ninguém sabe quantas pessoas se viram impedidas de votar por causa do problema com o Cartão de Cidadão. Até se saber isso, não é possível quantificar o problema, desde desagradável até muito grave. Mas quem afirma que o problema foi grave, ou muito grave, porque afectou um número significativo de pessoas, ao ponto de desvirtuar o princípio mais básico da democracia, então, como já aqui afirmei, esses mesmos deveriam ser os primeiros a lutar para que as pessoas afectadas pudessem ainda votar e que os seus votos fossem contados para o apuramento final. Ou então que se repetisse a eleição. Só assim se reporia a “verdade democrática”, sem ninguém impedido de votar. Mas será que isso verdadeiramente lhes interessa?

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O direito à repetição

Eleição após eleição, há sempre um qualquer lugar que usa e abusa do boicote ao processo eleitoral para protestar contra algo. Pessoalmente considero que o problema consiste em dar-lhes hipótese de repetição ou mesmo dar-lhes tempo de antena, porque não mereciam nem uma coisa nem outra. Há meios próprios para exprimir cada protesto e eu acho este completamente despropositado e inadequado.

No entanto, quem no Domingo passado não conseguiu obter o seu número de eleitor, e portanto foi "boicotado" pela ineficácia do sistema, não teve direito à repetição do acto eleitoral. Porém, bastava que recolhessem os números de eleitor de quem os tentou obter (será que o sistema faz logging?), que confirmassem se votaram ou não (revisão dos cadernos eleitorais) e que fizessem uns cadernos reduzidos apenas para os eleitores que não votaram por deficiência técnica. Desta forma seria possível minimizar a falha ocorrida.

Mas será que há realmente alguém interessado em fazer isto, ou estão apenas todos entretidos a fazer "estardalhaço político", completamente alheados dos interesses dos potenciais votantes que não o puderam chegar a ser? E, entretanto, dá-se uma 2a hipótese de voto a quem deliberadamente boicotou o sistema ...

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O Cartão de Cidadão e o abstencionismo forçado

O Cartão de Cidadão é dos maiores avanços tecnológicos do nosso país, mas ainda não se deu por isso porque o país ainda não lhe seguiu os passos (assunto que já referi noutra mensagem [1] e que irei continuar a referir futuramente). E, claro, quem não sabe como o sistema foi concebido e como funciona, assume que as culpas da abstenção forçada, causada aos utentes do Cartão de Cidadão no domingo último, são culpa do mesmo. Nada mais errado.

O Cartão de Cidadão veio substituir 5 antigos cartões, ou identidades, se assim preferirem: identidade civil, identidade fiscal, identidade para o SNS, identidade para a Segurança Social e identidade eleitoral. Assim, o Cartão de Cidadão possui, de uma forma legível por humanos, o BI, o NIF, Número de Segurança Social e o Número de Utente da Saúde do seu titular. Mas, estranhamente, não possui o número de eleitor. Curioso; ou talvez não!

De facto, a lógica é simples. O Cartão de Cidadão possui a morada completa do titular, e a morada está afecta a um círculo eleitoral, digamos assim, o qual atribuí um número de eleitor local (i.e. não universal) ao titular. Isto, claro, se o titular tiver mais de 18 anos, o que pode não acontecer. Logo, o número de eleitor e o círculo eleitoral, caso tenham de existir, são automaticamente atribuídos a um cidadão de acordo com a sua morada actual. Se mudarem de morada não precisam de mudar de cartão, apenas precisam de alterar a informação guardada internamente ao seu smartcart; e o círculo eleitoral e número de eleitor mudam transparentemente e sem mais burocracias. Como é evidente, o Cartão de Cidadão não pode ter o número de eleitor na sua informação externa porque o mesmo pode ser alterado sem uma re-emissão do cartão. Aliás, o Cartão de Cidadão minimiza a quantidade de informação mutável do cidadão (i.e. que pode mudar ao longo da sua vida), e apenas a fotografia é informação mutável que faz parte da informação compreensível por humanos.

Qual foi, então, o problema? O problema foi causado pelo facto de que muitas pessoas que mudaram para o Cartão de Cidadão estavam efectivamente recenseadas em círculos onde já não moravam. Devido aos automatismos inerentes ao Cartão de Cidadão, essas pessoas mudaram de círculo eleitoral e, logo, de número de eleitor. E essa informação não faz parte da informação base do Cartão de Cidadão nem deveria fazer, porque, como veremos adiante, ela é totalmente dispensável. Mas como essas pessoas não conseguiram obter essa informação no dia da eleição, e ela ainda é necessária, não puderam dirigir-se à mesa de voto correcta e não puderam votar.

Mas para que serve o número de eleitor? Actualmente serve apenas para “espalhar” votantes de um círculo eleitoral por várias mesas (serve para concretizar um processo de hashing). E é por isso que as pessoas têm de obter, via Internet ou SMS, o mapeamento entre BI + data de nascimento à local de voto + número de eleitor. E vale a pena manter este número? Claro que não, bastava ter uma ordenação por nome ou por BI para o processo ser mais simples. Sabendo o local onde se vota (e isso é fácil, basta perguntar aos vizinhos), e tendo votantes distribuídos por mesas de acordo com a ordem alfabética do seu nome, ou ordem numérica do seu BI, era perfeitamente dispensável o número de eleitor. Portanto, não é preciso alterar o Cartão de Cidadão, não é preciso voltar ao passado, não é preciso ter mais sistemas computacionais ultra-potentes, não é mesmo preciso ter computadores nas mesas de voto. Basta apenas mudar o processo de afectação de votantes a mesas. Ou seja, é preciso repensar e mudar o “processo de negócio”, e não adaptar uma nova realidade a “processos de negócio” antiquados.

O que correu mal com o sistema que, no dia das eleições, deveria mapear BI + data de nascimento para local de voto + número de eleitor. Não sei. De todo. Apenas sei que fiz um pedido por SMS às 12 e recebi a resposta às 16:30. Entretanto já tinha conseguido a resposta via Internet e não precisei de ficar à espera. (a data de nascimento creio que serve apenas para não obter o local de voto de todos os Portugueses através do sistema usando uma pesquisa exaustiva bastante eficaz; mas isto é uma especulação minha).

Mas algumas coisas posso dizer que estavam erradas. Por exemplo, o sistema não era robusto contra ataques DOS (Denial of Service). Por exemplo, como os SMS não tinham custos, alguém poder-se-ia ter divertido a gerar SMS em grande quantidade, de forma a saturar o sistema. Da mesma forma, como via Internet os pedidos podiam ser automatizados (não se usaram CAPTCHAs [Completely Automated Public Turing test to tell Computers and Humans Apart]), era perfeitamente possível inundar o sistema com pedidos, evitando desse modo que os votantes legítimos pudessem obter os resultados desejados. Eu não estou a dizer que foi isto que aconteceu (pode ter sido um simples problema de dimensionamento), mas isto era perfeitamente possível.

A terminar, este problema pode ser extrapolado para avaliar o futuro das eleições via Internet. As eleições são processos muito exigentes em termos de requisitos (por vezes contraditórios); um deles é que a eleição tem de ser iniciada e terminada num prazo bem definido e curto, e que não há normalmente direito a prazos suplementares. E se, durante esse período, houver problemas causados por ataques contra instâncias controladoras do processo eleitoral, isso poderá significar o caos na execução do processo se tal não for devidamente acautelado. Esta fragilidade pode ser facilmente eliminada no processo actual, se não se usar, claro, o malfadado serviço que nestas eleições tão má conta deu do seu recado. Mas em votações via Internet isso é muito mais complexo e difícil de garantir, a menos que se faça um investimento gigantesco numa infra-estrutura com protecções especiais.

Candidato Dr. Brancos e Nulos

Os resultados das eleições presidenciais são já conhecidos. Várias interpretações subjectivas sobre os resultados são já públicas. Vitoriosos e derrotados (por vezes, uma só pessoa é ambos) irão ser tema durante os próximos dias.

Para não correr o risco de entrar numa análise que seria apenas mais do mesmo, decidi apresentar uns dados (objectivos) sobre um tipo de voto usualmente ignorado pelos analistas e políticos (a razão deste ignorar tão consensual ainda me é desconhecida): os votos em branco e os votos nulos. Penso que um cidadão que se dá ao trabalho de votar em ninguém deve ter algo a dizer. Ao contrário da abstenção.

Nestas eleições, num total de 4 489 904 milhões de votos, houve 86 543 votos nulos (1,93%) e 191 159 votos em branco (4,26%). Assim, este tipo de voto perfaz um total de 277 702 votos, o que representa 6,19% do total de votos. Considerável.

Mais interessante ainda é recalcular as percentagens de votos considerando o candidato Dr. Brancos e Nulos como candidato válido. Vejamos a distribuição obtida:

Cavaco Silva 49,67%
Manuel Alegre 18,53%
Fernando Nobre 13,23%
Francisco Lopes 6,70%
Dr. Brancos e Nulos 6,19%
José Coelho 4,22%
Defensor Moura 1,47%

Ou seja: teríamos segunda volta. Isto demonstra que os eleitores que optam pelo voto em branco e pelo voto nulo têm algo a dizer.

Olhemos agora para os resultados obtidos por este candidato nas eleições presidenciais e legislativas desde o 25 de Abril.

Legislativas 1976: 257 696 (4,7%)
Legislativas 1979: 163 714 (2,72%)
Legislativas 1980: 137 662 (2,28%)
Legislativas 1983: 146 770 (2,57%)
Legislativas 1985: 145 319 (2,51%)
Legislativas 1987: 123 668 (2,18%)
Legislativas 1991: 110 672 (1,93%)
Legislativas 1995: 113 093 (1,92%)
Legislativas 1999: 108 194 (2,0%)
Legislativas 2002: 107 774 (1,97%)
Legislativas 2005: 169 052 (2,94%)
Legislativas 2009: 175 980 (3,09%)

Presidenciais 1976: 63 495 (1,3%)
Presidenciais 1980: 60 090 (1,1%)
Presidenciais 1986 (1ª volta): 64 626 (1,1%)
Presidenciais 1986 (2ª volta): 54 280 (0,9%)
Presidenciais 1991: 180 914 (3,5%)
Presidenciais 1996: 132 791 (2,3%)
Presidenciais 2001: 127 901 (2,8%)
Presidenciais 2006: 102 785 (1,84%)
Presidenciais 2011: 277 702 (6,19%)

Para que seja ainda mais fácil visualizar a relevância do resultado obtido pelo candidato Dr. Brancos e Nulos nestas eleições, deixo-vos um gráfico que mostra a evolução da votação neste candidato.

Fig. 1: Número total de votos no candidato Dr. Brancos e Nulos

Fig. 2: Votos no candidato Dr. Brancos e Nulos, como percentagem do total

Deixo qualquer análise ao cuidado do leitor.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

O mercado e a gasolina

Dizem os economistas que a concorrência nos mercados baixa os preços. Diz um colega meu da Universidade, engenheiro como eu, que o mercado escolhe sempre o preço mais alto possível.

Numa dinâmica de oferta-procura, o sistema só é equilibrado, em termos de “força negocial” relativa, se a procura puder reduzir-se a zero, o que evita que a oferta abuse da sua posição de força. É como no equilíbrio dos predadores e dos perseguidos. Se os primeiros forem muito agressivos, os segundos desaparecem e os primeiros segui-los-ão na extinção. Quando tal não acontece, a oferta está em vantagem e pode aumentar os preços. Mesmo que a procura diminua por causa disso, ela acabará por estagnar num nível a partir do qual o abaixamento é lento. A partir desse ponto, os preços praticados pela oferta podem ser aumentados de forma mais agressiva, e de uma forma mais ou menos concertada entre os concorrentes, porque a procura não diminuirá significativamente a menos algo de dramático suceda. E, nesta lógica, os preços subirão até atingir o valor mais alto possível.

É isso que está a acontecer com o preço dos combustíveis em Portugal. Com uma percentagem significativa da industria “agarrada” à Galp através do cartão Galp Frota ou de planos de desconto similares, a Galp carrega no preço e os demais “seguem o ritmo”. Poderá haver pessoas para quem o uso do carro é secundário, mas muitos outros há, nomeadamente a indústria, que sem veículos de transporte não trabalham, ou que vivem em lugares onde não existem transportes públicos alternativos. E esses, desgraçadamente, têm de seguir esta “dança a compasso” das gasolineiras, que aumentam os preços sem pejo nem limite porque podem e porque, como acima expliquei, há um ponto em que a procura diminui lentamente, o que lhes permite continuar a aumentar a facturação.

É no mínimo patético ver agora políticos adeptos da economia de mercado queixarem-se contra a cartelização (ou pseudo-cartelização, porque a mesma pode existir sem qualquer acordo objectivo, mas apenas tácito) dos preços dos combustíveis e a falta de relação com os preços da matéria prima. E por que é que teria de haver essa relação, quando o mercado é livre? E quem é que pode obrigar alguém a praticar um preço diferente de outro?

Já afirmei numa mensagem anterior que este país caminha para o abismo por duas razões: (1) porque não tem condições económicas, em termos de custos, atraentes para os investidores e (2) porque a justiça não funciona de todo, muito embora os Srs. Juízes, do alto da sua torre de marfim, continuem a discutir o sexo dos anjos e a viver inebriados pelas maravilhas do edifício jurídico do país. A liberalização dos preços da energia, que apenas os aumenta e não diminui, contribui para a primeira razão. E assim caminharemos, numa escalada de “roubo” do alheio, até que não haja nada mais para pilhar e “fechemos a porta”, ou então abrimos-la para entrarem os nossos “amigos” do BCE/FMI, que nada farão para que sigamos em frente, mas apenas para que paguemos o que devemos.

O ordenado mínimo nacional é fixo e não indexado a nenhum valor base. Não é indexado à Euribor, nem à taxa de câmbio Dolar-Euro, nem ao custo das matérias primas, nem ao custo dos serviços, nem a nada. É fixo, ponto. E, sendo fixo, os custos base do dia-a-dia deveriam também ser em grande medida fixos, sendo as variações do mercado reflectidas na margem de lucro dos fornecedores e não nas despesas dos consumidores. Caso contrário, os ordenados, nomeadamente o ordenado mínimo, deveriam ser igualmente indexados a todos os custos daquilo que pagamos com os mesmos. Sorrio interiormente ao imaginar o que pensaria disso o patrão da CIP.

Por tudo isto, creio que neste momento deveria ser decretado um valor máximo para os combustíveis, de modo a impedir a escalada de preços sem limite que as gasolineiras estão a praticar. Não adianta andar à procura de lógicas para os preços, não adianta andar à procura de indício de cartel; é mais eficaz actuar rápida e eficazmente para acabar com este abuso de posição dominante.

Hierarquias de valores

Cavaco Silva, num instante fugaz de verdade, a tal que ele tanto apregoa, ou então de atroz senilidade, deixou escapar que os Portugueses devem abdicar de uma segunda volta, e resolver tudo à primeira, porque isso teria custos para o país, nomeadamente ao nível das taxas de juro. Esta afirmação, que foi bastante ignorada pelos jornalistas e pelos opinion makers do costume, é grave, muito grave, para além de indemonstrável.

É grave porque ela mostra quanto a personagem valoriza a economia face à democracia. Cada qual tem a sua escala de valores e ele tem a sua, muito embora faça um esforço enorme por a não revelar. Acontece que não é a minha. E se já não gostava nada do estilo presunçoso e vazio, recheado de lugares-comuns óbvios ou de conclusões indemonstráveis como esta, agora ainda gosto menos porque revela que, se for chamado a escolher entre democracia e economia, o campo dele não é o meu, a escolha dele não é a que me interessa, no fundo, que os valores democráticos dele não são os meus. Sim, porque democracia significa, para quem já se esqueceu, governo do povo, e não governo da economia.

Coloca-se a questão: então se a segunda volta é penalizante, não o será também a primeira? Não será melhor deixar estar tudo como está, para os "mercados" ficarem felizes e nós com uma taxa de juro mais moderada? E, já agora, que tal suspender a democracia, como sugeriu a sua correligionária e colega de governo e de BdP, para colocar a casa em ordem?

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Um regime de pensões Simplex

O almoço de hoje teve como prato principal uma discussão acesa com o Tiago Vinhoza e o João Almeida sobre possíveis modelos para regimes de pensões. No final, decidimos desenhar um sistema de pensões simplificado. Muito simplificado. Pró-Simplex, portanto.

Em primeiro lugar, todos os trabalhadores são abrangidos pelo mesmo sistema, pelas mesmas regras. Discussões sobre uma possível flat rate ficam para os comentários. Como em qualquer regime de pensões, o trabalhador entrega ao Estado uma percentagem do seu ordenado mensal (aqui assumimos 12 meses por ano), a que chamamos de "Taxa Contributiva". Após recolher o depósito de todos os trabalhadores, o Estado investe esse valor onde pretender (onde investir é outra excelente discussão), obtendo um lucro (mensal). No modelo simplista que apresento abaixo, assumo que esse lucro é uma percentagem fixa do valor investido, e chamo a essa percentagem "Taxa de Juros" (no modelo apresentada como anual, sendo depois distribuída de forma uniforme ao longo dos meses do ano. O lucro obtido é acumulado ao anterior.

Até aqui nada de novo, penso. Onde decidimos simplificar (eu diria "tornar mais justo") foi no cálculo do valor da pensão a pagar ao trabalhador. Em primeiro lugar, somamos o valor de todas as contribuições mensais ao longo da vida contributiva do trabalhador. A esta soma, acrescentamos uma parte dos lucros obtidos mensalmente pelo Estado ao investir o dinheiro entregue pelos trabalhadores. A divisão dos lucros fica ao critério dos utilizadores. Ao valor total desta soma dá-se o nome de "Bolo do Trabalhador".

Depois de obter o Bolo do Trabalhador, o cálculo da pensão é simples. Considera-se que o tempo esperado na reforma é obtido como a diferença entre a esperança média de vida no país e a idade do trabalhador no inicio da reforma. O valor da pensão mensal a pagar (12 meses por ano) é obtido dividindo o Bolo do Trabalhador pelo tempo esperado na reforma (em meses). Só falta acrescentar que, em caso de desemprego, o subsidio pago ao trabalhador é descontado no cálculo do Bolo do Trabalhador.

Resumidamente, soma-se todo o dinheiro que o trabalhador descontou ao longo da sua vida, acrescenta-se uma parte dos lucros obtidos pelo Estado, e divide-se esse total pelo número esperado de meses na reforma (com base na esperança média de vida). Simples, como prometido.

Note-se que, após o inicio da reforma, o Bolo do Trabalhador não lhe é entregue de uma vez só. Logo, o Estado pode continuar a investir o montante que ainda tem, mas desta vez não há divisão de lucros. Isto acontece por dois motivos: primeiro, porque seria complicado ajustar o valor mensal da reforma com estes lucros adicionais, mas sobretudo porque estes lucros podem ser utilizados para salvaguardar o (bom) caso de o trabalhador viver mais do que a esperança média de vida. Para além disso, considero que o valor mensal da reforma é também actualizado anualmente de acordo com a Taxa de Inflação.

Surge naturalmente a questão da sustentabilidade de tal regime. Ora, como o que o trabalhador recebe é no fundo o que ele contribuiu, o sistema torna-se auto-sustentável, se ignorarmos casos excepcionais (reformas por invalidez ou subsidios de desemprego, por exemplo). Ora, a menos que todos os lucros sejam entregues ao trabalhador, o Estado obtém ele mesmo lucro. Será esse lucro suficiente para compensar casos excepcionais e o caso de trabalhadores que vivem para além da esperança média de vida? Boa pergunta...

Ora, sem meios para poder responder, decidi deixar a avaliação para o leitor. Para isso, construí o formulário abaixo onde pode experimentar este sistema para os valores que desejar. Para os cálculos, assumi que o trabalhador tem um ordenado base, que é actualizado anualmente com base na taxa de inflação (também aqui fixa ao longo da vida). Para finalizar, em vez de considerar a esperança média de vida, deixo ao leitor a liberdade de escolher o número de anos de trabalho e o número esperado de anos de reforma.

Um modelo irrealista, claro. Mas já dá para tirar algumas ilações. Experimentem e comentem.

Ordenado (mensal):
Taxa Contributiva: %
Inflação (anual): %
Taxa de Juros (anual): %
Número de Anos de Trabalho:
Idade de Entrada na Reforma: anos
Esperança Média de Vida: anos
Tempo de Vida Real: anos
Divisão de Lucros: % do lucro para o Estado




Adenda: reparem que o cálculo mudou ligeiramente. Na versão inicial, não estava considerado o facto de o Estado não entregar o Bolo do Trabalhador de uma vez só e, assim, poder continuar a investir.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

A Via Verde e o compliquex

Depois de penar para obter a Via Verde (chegou quase um mês depois de a pagar) tratei de obter a respectiva discriminação positiva, que me permite ter isenção nas 10 primeiras "viagens" de cada mês e desconto nas demais.

Neste Sábado, com a ajuda preciosa de uma pessoa que tirou a senha com muitas horas de antecedência, consegui acercar-me do balcão da Via Verde, para tratar da referida "descriminação positiva". Ia armado, como qualquer cidadão bem preparado, com tudo o que era preciso e indicado na página da Via Verde: identificador (ou seu número), documento único do veículo, comprovativo de residência, Cartão de Cidadão, paciência, espírito positivo, ... e a menina que me atendeu, que não deixou de me referir que a Via Verde estava a fazer um favor ao Estado, afirmou taxativamente que não precisavam para nada daquela tralha mas apenas do documento único do veículo para saber a sua morada e ... já está!

Mas então, penso eu, irra, mas então perdi uma tarde do meu fim-de-semana para dar à Via Verde (ou ao Estado, já não percebo nada disto) aquilo que eles sabem muito bem (ambos, irra!)! A morada do dono (eu) do meu carro está já na DGV, ou no IMTT, ou seja lá onde for, porque aparece no respectivo documento único! E a própria Via Verde sabe isso porque no pedido de identificador é preciso mostrar os documentos do carro (ou, online, versão Via Verde, que implica envio de cópias em papel por correio, é preciso enviar cópias do documento único). Só podem estar a gozar comigo ... então o Estado (ou alguém no mesmo) sabe onde eu vivo (está no Cartão de Cidadão), o Estado (ou alguém no mesmo) sabe que carros tenho, a Via Verde sabe para que carros pedi identificador e a morada dos mesmos, então porque razão eu tenho de fazer prova perante o Estado e a Via Verde que tenho aquilo que eles sabe que eu tenho, que vivo onde ele sabem que eu vivo, só para pedir a discriminação positiva!

E admiram-se que a nossa produtividade é baixa ... pudera!

Quer-me parecer que há alguém no Ministério dos Transportes que está a precisar de um valente pontapé no traseiro ... de preferência para longe, para um lugar onde o Estado não saiba de todo onde ele foi parar, para não se lembrar de o chamar de volta.

A insustentável dificuldade de gerir as finanças pessoais

Na Segunda-Feira passada, dia 10/Jan, atingiram-se novos limites do surrealismo. Impensáveis.

O nosso actual Presidente, e também candidato, Cavaco Silva, afirmou claramente que quando faz aplicações financeiras não faz perguntas aos bancos, que aceita o que lhe dizem, que os bancos é que sabem, que já perdeu mais do dobro do que ganhou no BPN (neste momento ainda sabe quanto ganhou) com outras aplicações financeiras, que quando ganhou o que ganhou no BPN não reparou nisso porque o banco reinvestiu tudo o que tinha ganho numas quaisquer acções estrangeiras com nome esquisito (agora já não sabe quanto ganhou)... Isto depois de a mesma personagem demonstrar uma argúcia enorme, num anterior debate, ao conseguir reparar que a gestão actual do BPN não era profissional, ao contrário das Inglesas, e de rebentar sem qualquer sentido com a credibilidade do banco em horário nobre, depois de ter dito há tempos que se falava demais e que o silêncio era fundamental para não enervar os “mercados” ... isto apenas para se livrar da acusação de ter tido uma situação de favor, que é cada vez mais evidente. À Judite de Sousa não lhe ocorreu perguntar porque é que alguém resolve vender algo que não sabe quando lhe custou (e que lhe está a dar uma mais–valia extraordinária) por um preço que desconhece, porque não é público, para depois aplicar todo o dinheiro resultante nuns quaisquer produtos cujo nome é incapaz de lembrar? Obviamente houve um aconselhamento, porque já se sabe que a pessoa em causa não consegue distinguir vantagens e desvantagens relativas das suas aplicações financeiras. E pronto, aqui entramos na tal zona cinzenta onde cada qual pode pensar o que quiser. Faites vous jeux! Cabe a vós escolher entre a boa e a má moeda.

Isto tudo depois de o seu grande opositor, Manuel Alegre, demonstrar repetidamente ser uma pessoa tão ocupada que nem das suas finanças consegue dar recado, até precisa de uma secretária para lhe passar cheques, ou depositar cheques, ou fazer alguma outra coisa com cheques, porque ele, está mais que visto, é mais poemas e tiros! Mais um que também não consegue manter em ordem a sua contabilidade pessoal mas sabe ver bem a dos outros.

Há muitos anos, não sei mesmo se não foi na famosa entrevista onde Paulo Portas denunciou a conspiração do Marcelo Rebelo de Sousa onde entrava o pormenor lendário da Vichisoise, por essa altura, dizia eu, Paulo Portas afirmou algo como que não geria a sua carteira, que nunca sabia quanto dinheiro lá tinha, que quem tratava disso era a mãe. Deve ser um problema recorrente das elites políticas :-)

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Que país o nosso...

São 20h10min e até tenho medo de ligar a televisão!

Mais uma vez as notícias deste país giram à volta de um banco falido, que faz 6 candidatos à Presidência da República discutirem, quais putos, sobre quem tem a culpa no sucedido.
Enquanto isso, Portugal vende dívida pública ao preço mais alto de sempre. Os preços sobem diariamente, as empresas fecham às dezenas por hora. A bolsa desce, o número de pobres aumenta, os desempregados também. E ninguém apresenta uma hipótese de resolução destes problemas?
É inacreditável como este país não tem uma pessoa com peso político e inteligência capazes de gerar um movimento para virar o sentido deste país.
Está na altura de fazermos com o país, aquilo que fazemos quando temos o bolso cheio de lixo... viramos o bolso até que caia o lixo, o dinheiro e aquilo que nos interessa. O primeiro deitamos fora, o segundo e terceiro volta para o bolso.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Um país bem diferente do nosso...

Será assim tão difícil olhar para os bons exemplos de outros países e aplicá-los no nosso?