domingo, 18 de julho de 2010
Golden Share/PT
Revendo as opiniões formadas neste blog e encontrando-me também na mesma tendência, vejo-me a concordar com algumas coisas.
Primeiro, a Golden Share é do Estado Português, embora a sua decisão passe pelo Governo e não pela Assembleia da República e para entendermos melhor, talvez, o porquê penso que seja de maior rapidez de actuação se for detida por uma menor fracção de poder, embora não concorde por completo. Quem sabe alguém se lembrará de questionar essa autonomia do governo num próximo plenário da Assembleia da República.
Segundo, Concordo com a visão de o Estado deter poderes especiais numa empresa pública, no entanto não deve-se sobrepôr a vontade dos accionistas, ou seja, a vontade da maioria, o que não é compátivel com a estratégia do governo no Plano de Estabilidade e Crescimento. Para mim faz-me confusão os métodos de actuação do governo, pois vetam o negócio da Telefónica alegando "interesses nacionais" demonstrando um certo poder final sobre algo que iria, na minha opinião, beneficiar, tanto a empresa como o Estado.
Terceiro, A incapacidade da PT e Estratégia do Governo. O facto da Portugal Telecom pedir mais tempo após uma incapacidade de decisão sobre uma proposta, quando a Telefónica especificou claramente os limites temporais, demonstram um caractér de indecisão e desrespeitando a decisão favorável de 74% dos accionistas da empresa.
E por outro lado, não consigo perceber qual a estratégia do governo para Portugal Telecom. Se no Plano de Estabilidade e Crescimento planea-se a venda de algumas participações especiais, incluída a PT, qual a razão de não beneficiar, neste momento, de um extra dos activos da empresa. Continuo sem perceber se valeu a pena perder estes milhões, fora os juros e impostos sobre a empresa e accionistas, já que não estão isentos de pagamento. Penso que o importante não é o “interesse nacional”??, mas sim o que é mais importante para a economia frágil e debilitada portuguesa.
A questão ficará sempre no ar: qual terá sido a razão por trás do veto do governo e da não existência de uma conferência a explicar essa decisão. Podemos, claro, especular eventualmente as razões, mas penso que quando um governo não deixa o mercado tomar o seu curso, torna-se de extrema negatividade para o País.
quarta-feira, 14 de julho de 2010
Sobre a orientação das lombadas
E, afinal, qual é a orientação correcta?, se é que a há. Creio que sim. Se repetirem o mesmo exercício com uma estante cheia de CDs, ficam sem dúvidas: de cima para baixo, claro. E é simples explicar porquê. Se empilharem livros ou CDs numa superfície, o normal é deixarem a capa para cima, logo se o texto da lombada se escrever de cima para baixo, consegue-se ler facilmente quando os volumes estão empilhados na horizontal.
QED? Nem por isso, porque a nossa praxis de leitura e escrita faz-se da esquerda para a direita e de cima para baixo, e por isso quando percorremos uma estante há procura de algo fazemos normalmente varrimentos de observação horizontais da esquerda para a direita e verticais de cima para baixo. E assim, as lombadas ser-nos-iam mais fáceis de ler se estivessem escritas de baixo para cima.
Faz lembrar a piada do Cap. Haddock quando, no livro "Cock en stock"(Carvão no porão), que fica na dúvida, levantada pelo seu arqui-inimigo Allan, se deve dormir com a barba por cima ou por baixo da coberta.
Após esta dúvida, que decerto não vos irá tirar o sono, deixo-vos a foto anexa, que muito me fez rir há uns meses, também relacionada com textos escritos em "lombadas" improvisadas.
terça-feira, 13 de julho de 2010
Flexibilidade laboral
O lucro esperado cresce com o risco do investimento.
No entanto, no mercado laboral passa-se exactamente o contrário, ou seja o lucro decresce com o risco do investimento. Os contratos a largo prazo são acompanhados de salários superiores aos contratos a curto prazo.
Como é que é possível promover a flexibilidade laboral se não se introduz um factor de risco que reflicta a duração do contrato de trabalho?
Vejamos o exemplo das consultoras focadas em recursos humanos. Estas contratam profissionais altamente qualificados, que depois são enviados para outras empresas para colmatar necessidades de curto prazo. Naturalmente, a consultora cobra um overhead muito elevado, mas este tem de cobrir o risco de manter o profissional sem que este esteja a trabalhar em nenhum projecto.
Estou plenamente de acordo com a flexibilidade laboral mas esta deveria reflectir o risco associado a essa flexibilidade. Vejamos o exemplo de dois trabalhadores:
- Trabalhador A é contratado por 6 meses a ganhar 1000 euros/mês, com possibilidade de ser renovado o contrato por outros 6 meses.
- Trabalhador B é contratado por 12 meses a ganhar 1000 euros/mês
Calcular a probabilidade poder complexa mas também pode ser muito simples. Por exemplo, se houver 4 vagas para 5 trabalhadores.
Por outro lado, acho perfeitamente normal que um empregador proponha uma redução de salário para passar o trabalhador a um contrato sem termo. Afinal o risco é claramente inferior.
Ainda sobre as "acções douradas"
Partamos do princípio que há empresas cujo funcionamento deve estar, de alguma forma, sob o escrutínio do Estado (seja governo ou Assembleia de República). Há quem defenda que, nessa linha, o Estado deveria manter mais de 50% do capital dessas empresas, em vez de possuir “acções douradas”. Eu acho que isso depende das empresas, ambos os processos têm vantagens e desvantagens.
Uma “acção dourada” é como um veto presidencial: não decide quais as acções a realizar (compras, vendas, produtos a lançar/retirar) mas decide quais as que não deixa que se realizem por uma determinada razão. Assim, o Estado não é gestor executivo da empresa, é mais um supervisor que controla os limites até onde a empresa vai. Esta posição é mal vista no universo do mercado liberal, onde o dinheiro e o poder de compra é o alfa e ómega, mas há e tem de haver limites a esse poder. Aliás, os adeptos do mercado livre são pródigos a defender a tese de que o Estado deverá ter apenas um poder regulador, nunca executivo, mas depois são sempre os primeiros a criticar o Estado quando o mesmo exerce o poder regulador que lhe assiste e do qual não pode nem se deve alhear.
Pelo contrário, a posse de mais do que 50% do capital de uma empresa pelo Estado confere-lhe poderes de gestão executiva da mesma, sendo o Estado o principal decisor em tudo o que a Empresa fizer (ou não fizer).
No primeiro caso, o Estado não precisa (nem deveria sequer) ter pessoas da sua confiança na administração da empresa; é o que devia acontecer no caso da PT, e se assim fosse, não teria tido lugar a Comissão de Inquérito às actividades da PT/governo. Já no segundo caso, o Estado é o responsável pela actividade da empresa, e consequentemente deverá ter alguém da sua confiança na administração da mesma (algo que é vulgarmente depreciado com a conotação de “comissário político”).
No caso da PT, eu creio que o preferível é o modelo das “acções douradas”, porque a PT move-se num universo concorrencial (mesmo a nível nacional) onde o Estado não pode tomar partido por uma das partes nas suas decisões de exploração. Já no caso de outras empresas normalmente na esfera de influência do Estado (correios, águas, energia, vias férreas, etc.), creio que o modelo de posse de pelo menos 50% do capital pelo Estado é o mais razoável, porque elas não se enquadram num ambiente comercial concorrencial, mas antes monopolista e de serviço público.
Desvantagens de ambos? As “acções douradas” podem defraudar as expectativas dos demais accionistas (mas isso pode sempre acontecer com esses mesmos accionistas) e retiram poder a quem julga que o detém só porque tem mais capacidade financeira. Assim, elas retiram poder ao dinheiro, o que é uma aberração para os puristas do mercado. A posse de 50% do capital pelo Estado, por outro lado, potencia a proliferação de “jobs for the boys”. Não há bela sem senão, dirão alguns. Eu digo antes que se existisse uma solução perfeita, ela já teria sido posta em prática.
segunda-feira, 12 de julho de 2010
Golden Shares, Liberalismo, Liberdade e Democracia
segunda-feira, 5 de julho de 2010
SCUTs de custo real
É curioso que nesta discussão sobre as SCUTs, que poucas pessoas tenham questionado a fixação do custo fixo de 0,08€/km e se tenham focado em muitas outras questões.
Como o Tiago pode confirmar, a densidade de tráfego na A28 é 6 vezes superior à A3, muito provavelmente porque a A28 é gratuita para os utilizadores. No entanto, o estado tem de pagar à empresa que tem a concessão da SCUT, com uma formula que depende do tráfego.
Ao passar um modelo de utilizador-pagador, muitos veículos vão deixar de usar a A28, passando a usar a estrada nacional ou a A3, uma vez que esta é uma melhor opção para muitos trajectos.
No entanto, o modelo de utilizador-pagador poderia-se basear num modelo de custo real, em que fixando o valor (X) que o estado tem que pagar à SCUT, independente do tráfego, o €/km seria variável e adaptativo, de modo a convergir para o valor X.
É fácil assumir que a densidade de tráfego na A28 iria reduzir ao introduzir portagens, mas é pouco provável que reduzisse para a densidade da A3, se as portagens fossem adaptativas em relação à procura e reflectissem o custo real.
Assumindo uma sensibilidade linear ao preço €/km, é fácil verificar que a 0,02€/km é possível gerar tanto dinheiro como cobrando 0,08€/km, apenas com uma redução de 20% na densidade de tráfego.
sexta-feira, 2 de julho de 2010
The golden (share) rule
No início do Séc. XX, o modelo de mercado puro, ou perto disso, deu provas da sua fragilidade com a Grande Depressão no final dos anos 20. Uma lição que se tirou daí foi que os Estados não podiam deixar “cair” o mercado, sob pena de terem de “reconstruir” as economias locais. Foi o que aconteceu nesta depressão actual. Porém, há um lado perverso neste paradigma, e que se demonstrou na mais recente crise: se um prevaricador tiver uma dimensão significativa, ele não vai ser deixado desprotegido. Isto significa que há um benefício do infractor, e esse será tanto mais garantido quanto maior for o peso do infractor na sociedade. Dir-se-ia que onde se pedia responsabilidade, dá-se subsídio. E aproxima-se de um modelo muito normal entre nós, Portugueses, que se pode resumir a “benefício privados, prejuízos públicos”.
Dizem os gurus do mercado que o Estado Português não deixou que o mercado funcionasse no caso da PT. Errado, o mercado funcionou. Acontece que um dos intervenientes, por acaso o que tem direito de veto, não achou que o encaixe financeiro justificava a perda de competitividade internacional de uma empresa com elevado potencial empregador de know-out qualificado, com uma forte ligação à investigação neste país e com grande potencial exportador de soluções de cariz tecnológico. Isto é mercado, simplesmente quem avaliou os prós-e-contras da venda foi uma entidade, um Estado, um governo, que não se preocupa apenas com lucros mas que se tem de preocupar com pessoas e com o futuro delas. É claro que os fundos financeiros não pensam desta forma, mas o estado Português não tem de se preocupar com os mesmos. E se não estão satisfeitos, podem já começar a vender a sua participação na PT.
Dizem os gurus do mercado que o Estado Português quebrou as regras do jogo. Acho curioso o emprego desta palavra, jogo, porque para esses gurus tudo isto não passa de uma espécie de brincadeira, como se não estivesse envolvido nestas compras e vendas o futuro de muitas pessoas. Danos colaterais, dirão outros gurus. Adiante. Mas o Estado não quebrou as regras de jogo algum, a golden share sempre existiu, não foi criada de propósito para esta situação. Quem tem acções da PT sempre soube que existia uma espada de Dâmocles, chamada golden share, sobre o poder dessas acções. Acabar agora com a golden share é que é alterar as regras do jogo.
O BES, o membro mais forte do núcleo duro que controla a PT, fez a sua escolha estratégica e mostrou que, claramente, não se importa de hipotecar o capital inovador de Portugal e o peso estratégico da PT para resolver alguns problemas internos de liquidez. Pois bem, se alguma tiver que desaparecer, antes o BES que a PT. Porque com amigos destes, venham os inimigos.
quinta-feira, 1 de julho de 2010
DEM, o chip da discórdia
Antes de mais, algumas questões técnicas. O tão falado DEM, tanto quanto me é dado saber, seria um simples marcador RFID (Radio Frequency IDentifier tag). Um marcador deste tipo emite um identificador numérico quando energizado (activado) por uma fonte rádio com uma determinada frequência. Sistemas similares são actualmente usados em bilhética, como no cartão Andante (Metro do Porto) e no cartão Lisboa Viva (transportes públicos de Lisboa), e no pagamento de portagens (Via Verde). Nos dois primeiros casos o marcador é puramente passivo (não possui fonte de energia própria, i.e., bateria) e no último o marcador é activo (possui uma bateria). Esta diferença existe por causa da distância a que o marcador tem de emitir o seu identificador, que tem de ser maior na Via Verde (vários metros) e menor nos cartões Andante e Lisboa Viva (alguns centímetros). Mas, em ambos os casos, os marcadores nada emitem se não forem energizados, e isso implica a existência de uma fonte rádio próxima. Não são, portanto, similares a outros marcadores, como os seguidores GPS (GPS trackers), que enviam dados da localização geográfica do marcador através de meios de comunicação ubíquos (e.g. GSM).
Existem outros chips que usam activação por rádio-frequência mas que emitem sinais diferentes. Por exemplo, os marcadores anti-roubo inseridos nos produtos e que não são removidos (apenas "mortos") no acto da compra não emitem um identificador mas um simples bit que sinaliza que o produto não foi correctamente adquirido. Os passaportes electrónicos, pelo contrário, quando activados emitem um conjunto de informações sobre o titular do passaporte, mas para isso precisam de receber uma chave de leitura dessa informação.
Admitindo que o tão falado DEM é apenas um marcador que emite um identificador (e, note-se, não tenho a certeza absoluta deste facto, porque não estou a par dos pormenores do projecto da sua implantação, mas nada do que li aponta noutro sentido), que problemas para a privacidade dos donos de veículos advêm da sua utilização?
O identificador emitido por um RFID não reflecte nenhum atributo do seu dono, tal como o número de BI não reflecte nenhum atributo de uma pessoa. É meramente um número único. Portanto, a perda de privacidade depende da associação desse número a dados relativos ao objecto (pessoa, carro, etc.) a que é atribuído. Ou seja, se através desse número se conseguir facilmente pesquisar uma base de dados e obter informação privada da pessoa associada ao mesmo, então ele poderá representar uma ameaça à privacidade dessa pessoa.
No caso da bilhética, o normal é associar um crédito a um cartão (ao identificador desse cartão). Não é necessário conhecer dados do dono do cartão (ele não é pessoal e é transmissível), portanto não cria problemas de privacidade directos. No caso da Via Verde, por outro lado, o identificador é associado a uma matrícula, a informação pessoal de uma pessoa e a um cartão multibanco, sendo este último usado sempre que o identificador for lido numa portagem. Neste caso existe uma potencial perda de privacidade de uma pessoa, face à empresa Via Verde, se admitirmos que existe uma relação directa entre a pessoa que está associada ao marcador e a pessoa que conduz a viatura quando a mesma passa numa portagem. No entanto, esta relação não é obrigatória (a pessoa associada a um marcador pode mesmo não ser dona da viatura em que o mesmo é usado), portanto a perda de privacidade é relativa.
Porque razão, então, se pretendia criar um DEM e não usar simplesmente um marcador Via Verde para taxar a passagem nas SCUT? Pelo que li, a questão está relacionada com o controlo de acesso às entidades que têm acesso a mapeamentos entre o identificador do DEM e informação relacionada com o veículo ou com o seu dono. Este controlo passaria a ser feito pela SIEV, SA, que facultaria o acesso a informação a clientes devidamente autenticados e autorizados. Por exemplo, se a polícia tivesse acesso a atributos críticos de um veículo mediante consulta pelo seu identificador via SIEV (e.g. veículo roubado, seguro em dia, inspecção em dia), poderia agir de forma mais célere e eficaz em operações de monitorização local. Ou seja, um carro de uma brigada de trânsito estacionado perto da via de circulação poderia monitorizar todos os veículos que por ele passassem de forma a detectar algo de irregular. E isso não pode ser feito actualmente com a Via Verde.
Sem acesso a bases de dados de mapeamento de identificadores para outros atributos, os problemas de privacidade dos DEM seriam reduzidos, uma vez que apenas permitiriam registar passagens repetidas de um mesmo veículo por um determinado local (onde estaria montado um leitor de RFID). Considerando o nosso modo de vida actual, este seria um problema de privacidade menor: os operadores de comunicações celulares sabem onde estamos, a SIBS sabe onde estamos (admitindo que os cartões multibanco são usados de forma efectivamente pessoal e intransmissível), o Google sabe que sítios visitamos na Internet, etc. Notem, no entanto, que a perda de privacidade (neste caso, de localização geográfica) pode ser benéfica para nos proteger (e.g. detecção de uso de cartões multibanco clonados em instantes temporais próximos mas em locais geograficamente muito distantes).
Há, no entanto, um problema de segurança pessoal inerente aos DEM e à Via Verde: o accionamento de um determinado comportamento à passagem de um veículo bem identificado num determinado ponto. Por exemplo, uma bomba inteligente que deflagrasse à passagem de um determinado veículo pelo local onde ela se encontra colocada. A meu ver, este é um problema bem mais delicado e difícil de resolver do que o da privacidade dos cidadãos, mas que precisa de ser acautelado. E não é paranóia minha, este problema está bem identificado há anos (vejam, por exemplo, este artigo de 2006).