A propósito de Ética Republicana, Bagão Félix elaborou hoje, no Conselho Superior da Antena 1, sobre a diferença entre Ética e Lei, a propósito da afirmação de que Ética Republicana é definida como o cumprimento escrupuloso da lei. Daqui evoluiu, e muito bem, para o facto de que a Lei e a Ética normalmente não se sobrepõem, não têm uma relação directa obrigatória (não usou estas palavras mas a ideia foi esta). Quem estiver interessado pode ouvir o programa aqui.Esta nota introdutória serve para situar o meu ponto de vista sobre a questão, actual, da violação sistemática do segredo de justiça. Já andava há algum tempo para escrever sobre isto mas o programa acima referido deu-lhe o empurrão que faltava :-)
A violação do segredo de justiça ocorre, com bastante frequência, porque não existe qualquer penalização eficaz de um processo que, na sua globalidade, traz dividendos a múltiplas entidades: (i) quem divulga as escutas deverá beneficiar dessa atitude, directa ou indirectamente; (ii) quem as recebe e publica beneficia da publicação da notícia, e da receitas inerentes à venda da mesma, (iii) o público ávido de mexericos beneficia porque vê satisfeita a sua ânsia de “sangue” e, por último, (iv) os comentadores políticos têm tema para as suas análises. Este assunto, como quase tudo em Portugal, discute-se até à náusea mas sem que isso conduza a qualquer alteração no status quo.
Na minha óptica, nada mudará nem pode mudar no plano da lei porque não existe tal possibilidade. É muito complexo controlar e fazer o seguimento de fugas de informação e a imprensa não admite que de alguma forma seja impedida de publicar tais notícias ou de ser obrigada a revelar as suas fontes. Portanto, não creio que exista forma legal ou funcional de impor o segredo de justiça, muito embora muitos dos nossos juristas e políticos pensem que é com mais leis que se resolve o problema. Também é típico de Portugal, resolver tudo com mais leis em vez de se raciocinar sobre a sua aplicabilidade…
Uma outra hipótese consiste em procurar uma solução no plano da ética. No caso da imprensa esta faceta é igualmente complexa, porque numa economia de mercado o dinheiro tem normalmente um peso superior à ética (ou a certa ética), e a “venda” de notícias bombásticas tem um impacto significativo nas vendas de informação, pelo que os jornalistas ou quem os dirige/orienta/paga não deixarão de apoiar e incentivar este tipo de jornalismo.
Resta, portanto, uma única solução, frágil, lenta mas poderosa: a ética dos consumidores de informação. Um consumidor deve ser um elemento crítico sobre a qualidade dos produtos que consome. Se uma loja vende um produto deficiente (não necessariamente defeituoso), ou produzido usando metodologias reprováveis, temos sempre a hipótese de não voltar à mesma. Há anos atrás a Shell voltou atrás na sua intenção de afundar uma plataforma petrolífera off-shore depois de um movimento global de boicote à compra dos seus combustíveis. Também o mercado de vestuário em pele sofreu uma forte recaída após inúmeras campanhas onde mostravam acções cruéis executadas em prol da obtenção de certo tipo de peles (caso das focas bebé no Canadá).
Pois bem, eu defendo que os consumidores de informação devem exercer um espírito crítico sobre aquilo que lêem e devem punir os órgãos de comunicação pelas suas faltas de ética, bastando para tal deixar de consumir a sua informação. Assim, se todos nós deixarmos de comprar ou ler ou ouvir os órgãos de informação que têm um comportamento não ético, como por exemplo divulgando factos em segredo de justiça, o fenómeno de prevaricação passará a ter um mecanismo de regulação, de feedback, e o incentivo para prevaricar, que actualmente não tem qualquer oposição, passará para um equilibro complexo de custo-benefício.
Pessoalmente, já fiz e contínuo a seguir esta linha de actuação em relação a diversos órgãos de comunicação social. Dois exemplos: em meados da década de 90, eu li uma clamorosa mentira nas “gordas” do Público e tinha conhecimento exacto dos factos, razão pela qual nunca mais comprei o Público e raramente o leio. Em 1998 a SIC teve a deselegância de apresentar o discurso do prémio Nobel de José Saramago antes do próprio o proferir, e eu deixei de ver a SIC por esse facto.
Creio que este é o caminho que temos de seguir em Portugal para aumentar combater a falta de ética que existe actualmente na violação de diversos direitos dos cidadãos por quem os informa. Pessoalmente, não consumo notícias que falem de factos obtidos violando o segredo de justiça, não vejo debates que usem essas mesmas notícias e não vejo comentadores que, de forma despudorada, criticam a violação efectuada mas depois têm o desplante de elaborar sobre os factos apresentados. Se todos assim o fizéssemos, acabava-se a divulgação pública de factos em segredo de justiça. Caso contrário, continuará o regabofe.
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010
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Acrescento aí um outro problema: a morosidade da justiça portuguesa! Se os casos em tribunal se resolvessem no máximo num ano, não haveria tanta violação do segredo de justiça.
ResponderExcluirA violação do segredo de justiça e dos segredos em geral é uma ferramenta de excepção em qualquer democracia. Vejamos o caso de Watergate como exemplo.
ResponderExcluirNo entanto, em Portugal a violação do segredo é uma prática comum que nada tem de excepção.
Penso que a lei devia ser pesada e todos os casos deveriam ser investigados a fundo. Para além disso, os meios de comunicação social que divulguem os segredos de justiça deveriam ser punidos com 2 dias de rendimentos brutos por cada dia divulguem os segredos de justiça, incluindo as crónicas e artigos de opinião sobre matéria divulgada.
Se de facto existe algo tão forte que deva ser divulgado, quem ganha financeiramente com isso deveria estar disposto a perder dinheiro para divulgar.
Fausto, o caso Watergate não se tratou de uma violação do segredo de justiça; não se tratou de uma ilegalidade. Tratou-se de revelar, com o auxílio de um denunciante (Deep Throat), a existência de um plano de escutas do Partido Democrata por algumas pessoas do Partido Republicano, escutas essas que foram imputadas, enquanto ordenante, a Richard Nixon. Na minha opinião, as situações são diferentes.
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