A fome aliada à pobreza é um dos maiores flagelos da humanidade. Se há alguns séculos atrás este fenómeno era justificado pela elevada dependência face aos fenómenos meteorológicos ou pelo subdesenvolvimento geral das populações hoje em dia a realidade do século XXI é bem diferente.
Temos tecnologia e conhecimento para produzir de forma controlada uma grande variedade e quantidade de alimentos. Temos maneira de transportar de forma rápida e eficiente os produtos que produzimos para os locais onde vão ser consumidos. Conseguimos "contornar" a dependência face à Natureza e optimizar recursos levando a que seja possível produzir alimentos em locais que anteriormente não reuniam condições para tal. Muitos Estados já atingiram um elevado grau de desenvolvimento económico e social e temos o know-how para expandir esse bem-estar social. Porque razão existem nações inteiras a passar fome quando outras deitam toneladas por dia para o lixo? Porque razão existem pessoas a passar a fome em países desenvolvidos quando aquilo que os seus vizinhos desperdiçam era o suficiente para as alimentar?
Infelizmente apesar de dispormos de tecnologia e conhecimento não parecemos dispor da vontade de partilhar e de lutar para que ninguém passe fome. Não precisamos de ir para longe. Em Portugal existem cada vez mais pessoas que não têm dinheiro para comprar alimentos, algo comprovado pela velocidade crescente com que se esgotam os stocks do Banco Alimentar e de outras organizações que se dedicam a esta causa. O mesmo se passa sensivelmente por toda a UE. E é nesta mesma UE que todos os anos milhares de toneladas dos mais variados produtos são deitados para o lixo por excederem as quotas ou por não terem as medidas ideais para serem vendidos ao público. O desperdício continua nas cadeias de supermercados que todos os dias deitam também toneladas de produtos alimentares para o lixo pois o prazo de validade das mesmas expirou. Infelizmente o desperdício não acaba aqui mas sim nas nossas casas onde milhares de pessoas não consomem aquilo que compram e acabam por deitar milhares de alimentos fora.
Não se trata de uma questão de não existir terra arável suficiente para produzir alimentos para todos nós. Não se trata de uma questão de os países desenvolvidos não terem dinheiro suficiente para doar alimentos suficientes para os países em desenvolvimento. Trata-se simplesmente de desperdício. Desperdício inútil e cujo combate iria saciar uma necessidade básica a milhões de pessoas. E esse desperdício tem de ser combatido em todas as vertentes. É claro que temos de tentar resolver a fome "de fundo" a nível mundial com medidas de apoio ao desenvolvimento agrícola nos países pobres, entre muitas outras. Mas temos de olhar para o desperdício produzido como algo bastante negativo do ponto de vista económico, ambiental e acima de tudo social. Algo que tem de ser combatido eficazmente e que será extremamente importante no combate à fome, pobreza e exclusão social. Têm de ser criados mecanismos que evitem o desperdício dos alimentos produzidos em excesso na UE (doação para países fora da UE por exemplo). Para mim é inaceitável a UE por exemplo deitar arroz fora e de seguida informar que vai doar não sei quantos milhões de euros para comprar arroz para determinado país ou região. Os retalhistas deveriam ser obrigados a doar os alimentos que actualmente deitam fora a instituições da sua área. Esses alimentos por terem terminado o prazo de validade não podem ser vendidos ao público em geral mas tendo em conta que estes produtos são desperdiçados diariamente, que o limite de validade tem uma margem de segurança e que as necessidades das instituições são diárias (fazendo com os alimentos fossem consumidos rapidamente) penso que faz todo o sentido doar estes alimentos. Por fim o combate aos desperdícios tem também que ter lugar na casa de cada um de nós, nas escolas, nas empresas, nas cadeias hoteleiras, na restauração e em todo o lado. Só devemos comprar aquilo que realmente vamos consumir, devemos aproveitar os "restos" que com um pouco de imaginação servem muitas vezes para outra deliciosa refeição. Se temos algo em excesso porque não dar um vizinho ou a alguém que sabemos que necessita? Porque não utilizar determinados desperdícios alimentares para produzir adubo orgânico que vamos utilizar ou simplesmente doar à horta comunitária da nossa área de residência?
Estas acções consertadas teriam um impacto enorme na redução da fome além dos benefícios económicos e ambientais associados. Um dos elos desta "cadeia" depende directamente de nós e temos força para pressionar os outros dois. É urgente combater esta verdadeira crise alimentar.
sábado, 9 de janeiro de 2010
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Quando o recurso existe em grande quantidade é incrível a vocação para o desperdício. O Brasil sofre muito com o desperdício de alimentos.
ResponderExcluirhttp://g1.globo.com/bomdiabrasil/0,,MUL978774-16020,00-METADE+DOS+ALIMENTOS+PRODUZIDOS+NO+BRASIL+VAI+PARA+O+LIXO.html
E também com desperdício de água:
http://www.agrosoft.org.br/agropag/100332.htm
Excelente post!
ResponderExcluirMuitos parabéns Daniel e sê bem-vindo ao Costa Rochosa!
Gostava de chamar a atenção para os dias de recolha de alimentos para o Banco Alimentar. Eu fico extremamente orgulhoso pelos recordes de toneladas de alimentos alcançados pelos portugueses. Mas também fico triste por nesses mesmos dias, as cadeias de hipermercados se aproveitarem da situação alcançando recordes de vendas e consequentemente de lucros. Bem como o Estado que ganha 20% de cada produto vendido!
Isto é muito estranho numa sociedade... Uma campanha para combater a pobreza de uns, não pode gerar a riqueza de outros!
Tiago,
ResponderExcluirDei o exemplo com a UE mas se olharmos para o Brasil torna-se ainda mais chocante tendo em conta a realidade social de milhões de brasileiros. Isto é uma prova de que a Terra chega para todos, é preciso é saber aproveitá-la.
Betxu,
Muito obrigado :) Concordo com a tua opinião relativamente ao banco alimentar. Eu estou inscrito na lista de voluntários para o Banco Alimentar e sou bastante sensível com esta causa. Contudo penso que os supermercados deveriam aderir mais como por exemplo naquele dia venderem determinados produtos alimentares mais baratos ou comprometerem-se a cobrir uma parte da quantidade angariada (por exemplo por cada 5kg de massa e arroz angariado o supermercado em questão doava 1kg).
Em relação ao Estado penso que a sua missão é tomar medidas no sentido de acabar de vez com o problema. Seria um orgulho para o nosso país o banco alimentar tornar-se "obsoleto". Porque por mais ajuda que consigam angariar, tudo aquilo que fazem é adiar o problema e conseguir algum alívio temporário. A solução em si tem de ser o Estado a lutar por implementar.
Abraços,
Daniel
A questão que o Daniel colocou tem imensas dimensões.
ResponderExcluirJá há alguns anos lia no JN uma reportagem sobre as explorações agricolas no Ruanda. O que acontecia era que com a ajuda externa (ou seja com os excedentes do paises desenvolvidos - não necessariamente produtores), os agricultores do Ruanda não conseguiam vender os seus produtos a preços competitivos, o que os fazia vender a paises estrangeiros a preços bastante mais baixos do que o preço do mercado. Muitos dos compradores eram esses paises desenvolvidos, o que nao deixa de ser um pouco estranho...
Relativamente aos problemas de probreza que afectam o nosso país, esses sim, penso que facilmente se resolveriam com a re-distribuição de excedentes proposta pelo Daniel. É impressionante como seria simples implementar estes mecanismos, e ver que ainda ninguém o fez. Bastaria um sistema de recolha e distribuição diário (afinal os supermercados têm horas de fecho) sobre os produtos cujo prazo de validade fosse o dia seguinte. Nesse mesmo dia esses produtos poderiam ser utilizados, assim como na manha seguinte.
Sinto que cada vez mais nos tornamos insensiveis a estas questões, o que mostra um pouco que perdemos as nossas raizes culturais, que muito assentavam em principios de solidariedade. É um dos grandes problemas das sociedades do imediato.