quinta-feira, 25 de março de 2010

Duplo Saneamento

No programa especial sobre o PEC que passou ontem (dia 24 de Março) na SIC, após o Jornal da Noite, José Gomes Ferreira levantou e bem a questão de "Porquê fazer mais uma ponte sobre o Tejo nesta altura, se nem a Vasco da Gama atingiu a lotação máxima?". Concordo: avançar agora para tal construção não seria mais que um sinal de novo-riquismo.

Mas manda a primeira lei da demagogia que o investimento nas obras públicas se faça como método a curto-prazo de diminuir o desemprego. Ora, todos sabemos ser este um expediente que conduz a emprego precário e de curto prazo, e que em pouco ajuda a economia estrutural do país a não ser para enriquecer os barões da construção civil.

Dando agora uma volta de 180º ao assunto em questão, e independentemente de ir falar sobre Sócrates (pois o mesmo raciocínio poderia ser aplicado a qualquer outra pessoa), proponho uma pequena reflexão sobre estratégia política, tanto pessoal como para o país real. Todos sabemos que José Sócrates enfrenta hoje em dia uma tremenda crise de credibilidade, e sem dúvida que, por muitos anos, mesmo vindo o Carmo e Trindade abaixo, haverá sempre alguma comunicação social nunca deixará de ir procurar os podres no armário. Mas enquanto o passado não pode ser re-escrito, um futuro é uma página em aberto.

A minha premisa, neste momento, entrego-a numa linha: Sócrates podia aproveitar esta altura de crise como o momento ideal para apostar na re-estruturação do tecido empresarial fundamental do país. Os benefícios são tanto para Sócrates como para o país:

Já que a crise está a impôr um saneamento no tecido industrial, o desemprego continua a crescer e socialmente a coisa não pode piorar muito, eis-nos chegados à, como dizia Churchill no auge da Batalha de Inglaterra, "our finest hour". É a altura ideal para aplicar medidas de fundo, que não têm necessariamente de implicar grande peso aos cofres do Estado, para tentar garantir que a recuperação a longo prazo se baseie no crescimento de uma economia estrutural minimamente bem definida, e não recorrendo ao típico expediente de curto prazo das obras públicas.

Sócrates, em contrapartida, saneava a sua reputação, começando a cultivar a ideia de não ser permeável quer à tentação fácil de apostar em obras públicas, quer à influência dos já mencionados "barões", e de ser capaz de pensar o futuro do país com, pelo menos, uma grande reforma a longo prazo. (Suponho que seja isso que faz um grande estadista neste país: o ser capaz de olhar para além do imediato.) Além disso, a apresentação de propostas minimamente razoáveis de apoio à indústria nunca contaria com grande oposição dos restantes partidos, e creio que aumentaria o tempo de vida da actual legislatura.

Claro, as perguntas impõem-se. Primeiro, que medidas? Bom, não tenho resposta para isso, mas presumo que os empresários tenham uma ou duas sugestões. E em segundo lugar: ainda que a proposta faça algum sentido, Sócrates tem margem de manobra para tal? É que, bem sei, os meandros da política são intricados e Sócrates não chegou a primeiro sem fazer compromissos com gente importante. Além disso, os frutos a curto prazo desta estratégia são insignificantes e, mesmo caindo o governo agora, não estou a ver Sócrates com grandes dificuldades em ser Presidente da República daqui a 10 ou 15 anos (talvez menos). Por isso ele não tem grande motivação para se dar a este trabalho.

Sem dúvida é a cultura da influência que está a minar a Democracia e o objectivo último desta em desenvolver o país.

2 comentários:

  1. Antes de mais, sê bem-vindo Pedro!

    A tua posição denota uma crença idealista num verdadeiro Estado, num estado presente onde deve estar presente e ausente onde deve estar ausente. Crença essa que partilho.

    A reestruturação de que falas é urgente. É fundamental. Porque caso não aconteça, mesmo que haja algum crescimento a curto prazo, voltaremos ao mesmo. Continuaremos neste ciclo tão desgastante e ilusório. Daí que concorde contigo em absoluto quando dizes que essa deve ser a prioridade.

    Apenas discordo num ponto: quando dizes que Sócrates não ganha nada em fazê-lo. Bem, não é bem discordar, mas antes vê-lo de forma diferente. Eu diria que Sócrates não tem nada a perder em investir a longo (longo!) prazo. Senão vejamos: parece-me natural que mesmo que este governo vá até ao fim do seu mandato, dificilmente Sócrates será reeleito. Portanto, o que ganhará ele com o curto-prazo? Mais um ou menos um ano no poder? Caso ele invista verdadeiramente neste longo prazo, pode vir a colher os frutos daqui a 10/15 anos. E aí candidata-se a presidente com uma imagem de um líder que teve um impacto real na melhoria do nosso país. Com a imagem de um verdadeiro Estadista. E, com o estado actual da classe politica, isso torná-lo-ia imbatível.

    No fundo, é pensar que ele tem pouco a perder. Logo, pensando de uma forma egoísta (i.e. apenas na sua imagem politica), penso que a longo prazo Sócrates só tem a ganhar em implementar essas mudanças.

    É estranho pensar que uma boa estratégica egocêntrica por parte de Sócrates poderia criar um verdadeiro Estadista, algo actualmente inexistente e tão necessário. Eu não gosto do meio... Ah, mas se eu soubesse que atingiria o seu fim...

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  2. Olá Pedro. Bem-vindo! Respeito a vossa opinião sobre um estado menos envolvido nas questões económicas. Contudo, não acho que devemos colocar tudo no mesmo saco:

    "Mas manda a primeira lei da demagogia que o investimento nas obras públicas se faça como método a curto-prazo de diminuir o desemprego. Ora, todos sabemos ser este um expediente que conduz a emprego precário e de curto prazo, e que em pouco ajuda a economia estrutural do país a não ser para enriquecer os barões da construção civil."

    A própria sentença é demagoga e entrariamos em contradição. Quero com isto dizer que o investimento público em tempos de crise é uma "ideologia" muito estudada e defendida desde o ínicio do sec passado até agora. (e.g. Keynes, Krugman, etc.). Desde o inicio da crise que até lhe chamam "Keynesian resurgence".

    Cada caso é um caso e podemos perguntar se uma nova ponte sobre o Tejo faz parte de um desses investimentos públicos que estimularia a economia. Pessoalmente não acredito.. Quando penso em investimento público em tempos de crise penso num investimento menos concentrado num certo local do País e mais estrutural, i.e., em escolas, tribunais, linhas ferroviarias, postos de polícia, quarteis de bombeiros, etc.. Em suma, uma boa parte desse investimento seria para salvaguardar o património existente e não para criar novo e principalmente apostar na distribuição geográfica, pois Portugal não é só Lisboa!

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