Devido ao deficit crónico do nosso Estado, a medida (esperada) foi a de reduzir a despesa do Estado em salários. Não vou discutir se a mesma é ou não a medida adequada, nem se não haveria alternativas. Vou apenas analisar a sua forma.
A decisão tomada foi a de reduzir o salário bruto dos ordenados sob jurisdição do Estado que fossem superiores a 1500 Euros. O que esperava que acontecesse era que houvesse uma espécie de pré-IRS com um único escalão, ou vários escalões crescentes, a partir de 1500 Euros, sendo nulo para os ordenados inferiores. Mas, como veremos, não é assim que acontece.
A fórmula de cálculo do montante a retirar aos ordenados é tão complexa que eu não a vou aqui reproduzir. Em vez de a tentar compreender (e explicar), limitei-me a fazer uma tabela com os ordenados e as respectivas reduções (disponíveis aqui) e depois raciocinei sobre esses valores. Mas deixem-me referir, a respeito da dita fórmula de cálculo, que a mesma usa valores crescentes de percentagens consoante o ordenado (3,5% entre 1500 e 2000 Euros, algo entre 3,5% e e 10% entre 2000 e 4200 Euros, e 10% para ordenados superiores a 4200 Euros). Portanto, existe uma sensação que, à partida, existe algo similar a 3 escalões crescentes de pré-IRS.
Relembremos como é calculado um imposto IRS para um dado ordenado. Quando se atinge um dado escalão, a taxa desse escalão não é aplicada a todo o ordenado mas apenas ao montante acima do limite inferior do escalão. Ao montante do ordenado abaixo desse limiar aplicam-se as regras dos escalões abaixo, sucessivamente.
Considerando então a redução anunciada dos ordenados como um único escalão de IRS (a que chamei pré-IRS) , vamos calcular qual é a taxa de imposto aplicada considerando a metodologia de aplicação do IRS. Assim, até 1500 Euros temos um escalão sem imposto. Mas acima de 1500 Euros temos um escalão (?) com uma variação de taxa curiosa (ver gráfico abaixo), o qual foi calculado do seguinte modo:
percentagem = abatimento / (ordenado – 1500)
Com efeito, temos uma taxa variável e decrescente, começando em 100%, entre os 1550 e os 2000 Euros! Este resultado, porém, está absolutamente certo. As regras foram feitas de modo a que quem ganhasse 1550 Euros passasse a ganhar 1500 Euros (isto está explicitamente indicado no documento acima referido, para que não houvesse confusões). Isto significa que daqui em diante quem ganhava 1500 ou 1550 Euros passará a ganhar, em qualquer caso, 1500 Euros. Logo, a taxa de imposto para quem ganhava 1550 é de 100% (todo o rendimento acima de 1500 Euros é retirado).
Após essa taxa inicial de imposto a 100% observamos que a taxa diminui gradualmente até que o ordenado atinja 2000 Euros, altura em que a taxa atinge o seu valor mais baixo (14%). A partir desse ponto, a taxa sobe lentamente, convergindo para um valor de cerca de 15.5%.
Concluindo, se a redução de ordenados for considerada sob a perspectiva de um pré-IRS, os escalões de taxa não vão aumentando em três escalões diferentes, mas, pelo contrário, são muito elevados no início (até aos 2000 Euros) e depois estabilizam. Portanto, e seguindo a filosofia do IRS, os ordenados entre 1500 e 1950 Euros são os mais penalizados com esta medida fiscal. Na prática, existem dois escalões: um primeiro, com uma taxa decrescente entre 100% e 14%, para os menores ordenados afectados, e outro com uma taxa fixa de cerca de 15% para os ordenados superiores.
Escalões crescentes? 3 escalões?
Uma conclusão curiosa: dos que irão ser afectados, os que percentualmente são mais beneficiados são os que ganham 2000 Euros, e os que percentualmente são mais prejudicados são os que ganham 1550 Euros.
Diria o saudoso Pessa: “E esta, hém?”
quinta-feira, 14 de outubro de 2010
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É uma ideia interessante comparar as taxas de redução dos ordenados com a do IRS.
ResponderExcluirNo entando, gostaria de sugerir ao André que considerasse não apenas um único escalão de "pré-IRS" mas sim uma situação mais realista onde existem diversos escalões dependendo do rendimento.
Penso que ao refazer os cálculos tomando em consideração diversos escalões de "pré-IRS" a curva das percentagens seria diferente da actual: talvez até fosse crescente?! Será?