quarta-feira, 16 de junho de 2010

SCUT: o princípio do fim de (mais) uma medida avulsa e inconsequente

A matriz base da rodovia Portuguesa foi criada no início do Séc. XX e reflecte as necessidades e os requisitos da época: (i) vias que passam pelo centro das localidades, para as servir; (ii) declives reduzidos, para permitir a circulação de veículos de tracção animal e outros veículos com pouca potência de tracção; e (iii) estradas sinuosas, a acompanhar curvas de nível, para minimizar custos inerentes à construção e manutenção de túneis, pontes e viadutos. Esta foi a rodovia que chegou aos anos 80 do século passado, quando o dinheiro vindo da Europa permitiu criar vias rápidas no alinhamento de Itinerários Principais (IP) e Complementares (IC). E então começaram a surgir por todos os lados as auto-estradas.

Por causa de deficiências várias existentes na concepção das vias rápidas afectas aos IP e IC, como declives demasiado acentuados, dificuldades de ultrapassagem, curvas demasiado fechadas, etc., essas vias rápidas foram sendo substituídas por auto-estradas.

Neste momento, Portugal é um país com dois tipos de vias: (i) as muito lentas, que passam por inúmeras localidades, herdadas do início do Séc. XX, e (ii) as muito rápidas, as auto-estradas, símbolo do progresso e modernidade dos nossos tempos. E, no meio, não há quase nada.

No entanto, as auto-estradas custam caro, na construção e manutenção, pelo que é fundamental cobrar portagem. E, desta forma, ficamos com dois extremos: ou não se anda, mas é de borla, ou se anda bem, mas pagando. E, uma vez mais, no meio não há quase nada.

Face a este problema, algumas mentes brilhantes inventam o conceito de SCUT, a auto-estrada sem custos para os utentes, mas com custos para o país. E decidem a sua existência segundo uma política arbitrária que tende a beneficiar regiões economicamente deprimidas (Beira interior: A23, A25) ou não (Algarve: A22). E, desta forma, criam vias rápidas gratuitas, uma espécie de “autopista” espanhola. Com o país a pagar, claro, e bem.

Entretanto surgem contestações sobre onde e porquê devem existir SCUT. E aí surgem umas métricas maravilhosas que permitiram decidir se uma auto-estrada é ou não uma SCUT. Métricas sem qualquer sustentação, apenas métricas para calar críticas e justificar classificações arbitrárias.

Até que o país ficou sem dinheiro, e já não dá para o Estado pagar por terceiros. E a solução, claro, é abolir algumas (todas?) as SCUT, independentemente das métricas antes usadas para as defender. Mas como tirar é sempre mais fácil que dar, surgem as contestações e (pasme-se!) as providências cautelares para impedir a introdução de portagens nas SCUT!

Perante este cenário impunha-se uma atitude cautelosa e ponderada do governo, justa e justificável. Que não tem existido, apenas existe uma política de contabilista: falta dinheiro, corta. Folha de Excel pura.

Para evitar mais confusões e argumentos idiotas e sem fundamento, creio que era desejável que as auto-estradas fossem todas taxadas, sem excepções, ou seja, que todas as SCUT fossem abolidas. Mas, simultaneamente, os preços por Km deveriam ser mais moderados e drasticamente reduzidos em relação aos que se praticam actualmente. Finalmente, poderiam ser impostos mecanismos de apoio ao cliente frequente, através de um tarifário decrescente ao longo de um período de tempo. Note-se que isto é trivial tendo um mecanismo de pagamento com identificador, como o da Via Verde.

Uma outra solução seria aplicar o modelo da Suíça, onde existe um selo de 40 Euros anual (!) para circular em todas as auto-estradas (o custo de uma ida-e-volta Lisboa-Porto)a. A vantagem deste modelo é que cobra aos visitantes uma taxa anual, quando eles normalmente não usufruem do mesmo durante um ano. Foi o que me aconteceu na Suíça, onde só circulei um dia numa auto-estrada, mas paguei o selo para andar até ao fim do ano civil.

2 comentários:

  1. Eu sou um utilizador assíduo de auto-estradas...
    Tudo na vida para usufruirmos das coisas temos de pagar. Pagamos a Tvcabo para vermos tv, pagamos para ir ao cinema, pagamos para ir a um concerto. Queremos pagamos. Nada é de graça. Logo não vejo o porquê de as auto-estradas o serem. Mas devemos ter escolhas, alternativas.
    Agora a minha questão põe-se, e como em Portugal somos peritos, tudo é feito sem planeamento. Não existe Ordenamento de Território, nada. Tudo é feito por que dá jeito, tudo é feito porque sim, as coisas são pensadas para o momento.
    Precisamos de receita para reduzir o défice em 2012, qual é o plano??? Sobe-se tudo e pomos o tuga a pagar, a fazer sacrifícios. Por quanto tempo? até 2012 temos de descer não sei quanto %, e isso chega? Apertamos o cinto à uns anos com a tanga da ferreira leite, e depois alargamos o cinto e agora apertamos outra vez. E que tal um plano??? Uma estratégia de crescimento sustentado. Uma visão de futuro, uma visão além de 4 anos, ou 2 pois os outros 2 são de vacas gordas, pois chega as eleições.
    Não existe visão de futuro.
    Eu pago, eu poupo, eu faço sacrifícios se souber que isso vai dar resultados, se todos pagarmos e não uns e outros a rirem-se.

    Carlos Pais

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  2. Há outra questão que se levanta e essa, para mim, central: dupla taxação. Senão vejamos: pagamos impostos rodoviários elevadissimos para a manutenção das nossas estradas. E agora querem-nos cobrar para a utilização das mesmas? Não creio que faça sentido.

    Depois claro, como o André fala e bem, as maravilhosas métricas que levam a que apenas se acabem com as SCUTs no Norte.

    Quem usa deve pagar. Totalmente de acordo. Mas todos sobre esse mesmo principio. E não pagar duas vezes.

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