segunda-feira, 26 de abril de 2010

"O país do Eça"

"O país de Eça" é a descrição de Eça de Queirós, nos seus livros, do País em que viveu. As semelhanças entre o País do Sec. XIX enquadra-se no quotidiano dos nossos dias. E olhando, no fundo, Portugal não se modificou assim tanto. Aparte da modernização causada pela globalização e o desenvolvimento tecnológico, a sociedade continua mergulha em dogmas, doutrinas e numa mentalidade muito aquém do mundo.

Celebrou-se ontem o 25 de Abril, a viragem de uma nova era. Recordar Abril é relembrar o apogeu da música popular portuguesa no seu papel de dar a voz num tempo sem liberdades, é rever a emoção do povo como pais de um recém-nascido. Recordar é viver, mas também é aprender. A revolução dos cravos triunfou! Conseguimos restabelecer a democracia e reencontramos o caminho para uma nova realidade. Então questiono-vos: Passados 36 anos, terá mesmo a revolução triunfado? Não querendo questionar sobre a viragem para a democracia, mas sim a viragem da mentalidade do povo.

O que faltou, na minha opinião, à revolução foi um pequeno factor que ainda nos pena. Vivemos 48 anos numa ditadura militar, onde a população era oprimida, comandada, sem consciência nos seus actos como uma criança cujos pais têm a sua responsabilidade. Salazar torna-se para o País como esse pai, tomando conta e comandando sobre opressão. Essa opressão ainda é visível no rosto da sociedade portuguesa, o receio dos políticos, de um controlo que não existe em liberdade e é nessa consciência que o movimento falhou, a consciência democrática ou o sentido crítico. Não se molda um País em um par de dias, nem se faz uma nação em 2 anos. Ao povo não se soube ensinar o que significa voto, poder popular, república, democracia, nem se soube criar condições de punição de maneira a controlar a corrupção. Explicar-lo, em texto, torna o argumento fraco, mas é só olhar para os nossos políticos que num dia de celebração de um marco, discursam em tom eleitoral em vez de respeitarem os partidos na Assembleia da República.

A história é clara e irrefutável. Camões retratou, através do "Velho do Restelo", a euforia do povo em busca de riqueza; Gil Vicente, pai do teatro português, representou a falsidade das promesas dos governantes e a mentalidade; Eça de Queirós contou-nos, em histórias, as tentativas de imitação falhadas da sociedade; Ary dos Santos cantou, em prosa, as angústias do povo na procura da liberdade.
Na nossa história há sempre um factor em comum: corrupção, e não basta punir nem banir, mas sim ensinar a mudar. E por sermos humanos e fracos erramos quando falamos que os ideais de Abril concretizaram-se. Afinal ainda estamos bastante longe dessa "utopia".

Na canção "O País de Eça" de Ary dos Santos (http://www.youtube.com/watch?v=9uPIX6-6I1o) no final canta-nos assim:
"Há cem anos que eu canto esta canção/sem cabeça porém no coração/porque um país do Eça de Queirós/ainda é o país de todos nós"

Relembrar Abril é recorda, é viver, é sonhar. Este é o País do Eça, do Fernando Pessoa, do Ary, do Camões. Este é o nosso País.

2 comentários:

  1. Infelizmente, estou completamente de acordo contigo Ana. Demos um salto enorme com o 25 de Abril: ganhamos a liberdade. O grande problema é que não sabemos (ainda hoje!) viver com essa liberdade. Ou melhor, ainda não sabemos como potenciar essa liberdade.

    O nosso maior problema reside na falta de qualidade nos nossos critérios de exigência. Viver tantos anos sem poder exigir fez com que a nossa sociedade não saiba hoje quais os critérios de excelência que devem ser adoptados.

    Por isso, continuamos a ver a verborreia prevalecer. Por isso, vamos o "amiguismo" e a cunha prevalecerem, por exemplo. Por isso, continuamos a ser "enganados" pelos governantes. Na verdade, eles não nos enganam: nós é que nos enganamos a nós mesmos.

    A questão que te queria deixar é a seguinte: podemos dizer que essa cultura de excelência está a surgir cada vez mais forte em Portugal, ou teremos de bater verdadeiramente no fundo para poder reestruturar tudo de novo?

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  2. Rui, as sociedades desenvolvem-se e isso está a acontecer. E a esperança é essa, que o habito de sermos cuidados por outros acabe. E as novas gerações têm mais visão do mundo por serem mais cultos e educados.
    A questão que coloco é: se batermos no fundo quem nos ajudará? Porque não estou a ver a Europa a estendermos a mão e isso vai se tornar um problema. Já não basta hoje o PSI geral ter perdido 7%, fora os outros 3% ou mais de ontem... Isto está um caos e lá vem o Teixeira dos Santos que diz: eh pah peço desculpa mas temos que agir com o PSD e tal e coiso, quando a lei da tributação é ilegal, segundo o Tribunal Constitucional.

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