domingo, 30 de outubro de 2011

Sobre a “morte” dos caminhos-de-ferro

As vias férreas apareceram num tempo onde as estradas eram uma miséria e os motores eram a vapor e carvão, ou seja, grandes, complexos de manusear, pouco limpos, etc. Ou seja, num tempo onde não havia alternativa mais rápida e mais cómoda de transporte. E num tempo onde a maioria da população não tinha sequer um meio de transporte próprio, com ou sem rodas. E foi por isso que se espalhou rapidamente a todo o país, o qual, para mais, tem uma orografia estuporada.

Hoje, porém, temos diversos tipos de veículos pessoais, a combustíveis fósseis, elétricos ou híbridos, que andam mais rápido do que qualquer comboio em Portugal (sim, mesmo quando este atinge 220 Km/h). Para além disso, a grande maioria das pessoas possui, na sua família, um ou mais automóveis ou outros veículos motorizados. Finalmente, as estradas espalharam-se por todo o país, modernizaram-se e há uma rede de autoestradas considerável.

Perante este quadro, em que situações fará sentido usar um comboio ou fará sentido tentar convencer as pessoas a usar um comboio? A meu ver, há duas apenas; tudo o resto é folclore.

A primeira é a longa distância rápida, tal como temos entre Lisboa e Porto. São comboios com uma frequência razoável (podia ainda ser melhor) e que fazem um trajeto de horas a uma velocidade igual ou superior à da autoestrada. São competitivos face à autoestrada porque permitem a uma pessoa usufruir da viagem para fazer algo de útil (o que é difícil quando se conduz), e, se as viagens forem a um preço baixo relativamente ao gasto numa viagem similar de automóvel (gasolina + portagens + desgaste veículo), mesmo que não se chegue exatamente onde se quer e à hora que se quer, a relação custo-benefício-cansaço pode ser interessante. Mas há duas questões essenciais: custo e frequência. Se o primeiro for muito alto ou a segunda muito baixa, a procura irá imediatamente fugir para o automóvel, mesmo à custa de um maior cansaço.

A segunda é a curta/média distância suburbana. Esta é vital para a sobrevivência das grandes áreas urbanas, para não serem diariamente inundadas por automóveis. Nestes casos o comboio surge como uma alternativa interessante por ser tipicamente uma oferta de alta frequência e que permite um deslocamento no tecido urbano mais rápido que o automóvel. Mesmo que não seja rentável face ao que os utentes pagam por ele, é um custo inevitável se se pretender ter metrópoles de média/grande dimensão com um mínimo de qualidade de vida.

Em todos os outros casos, não há hipótese. As linhas de média/baixa velocidade não são competitivas face ao automóvel e às novas estradas, o que leva à diminuição da frequência das composições e à opção pelo serviço que à partida melhor rentabilidade parece dar (o que para em todo o lado), mas esse, por esse mesmo facto, perde passageiros porque se torna demasiado lento face ao automóvel. Por outro lado, o investimento em velocidade com uma frequência baixa é suicida porque dispara os custos sem contrapartidas de bilheteira (porque nunca se tem o comboio quando se quer). A relação procura-oferta nestas linhas entra numa espiral recessiva onde os custos vão sempre aumentando até que chegamos ao paradoxo de ter um mínimo de comboios para um número residual de utentes, com tudo o que isso custa em manutenção de material e via e custos de pessoal. Foi o que aconteceu com a linha do Oeste, há muito virtualmente morta e inútil para além da linha de cintura de Lisboa.
Ou seja, concluindo, o transporte público, para ser procurado, tem de ter uma alta frequência, para dar a sensação a quem o usa de que não perde tempo à espera. Por outro lado, para cobrir o custo de fornecer essa frequência, é preciso que a procura seja naturalmente muito grande. Se não se fornecer uma grande frequência e não houver uma grande procura, ele torna-se economicamente inviável. E, na penúria em que estamos, não faz sentido, não é possível, continuar a esbanjar dinheiro num meio de transporte que, na maior parte dos casos, serve apenas para o transporte dos seus funcionários.

A maior parte destas linhas inúteis, porém, tem um potencial turístico enorme, mas não necessariamente como vias férreas: como ciclovias. Como têm declives suaves, são ideais para fazer ciclovias, como acontece atualmente na antiga linha do Dão (Santa Comba Dão - Viseu) e numa parte da linha do Vouga (Sernada do Vouga - S. Pedro do Sul). E as antigas estações e apeadeiros podem ser facilmente transformadas em locais de repouso, bares, lojas, ou mesmo pontos de aluguer de veículos para usufruir da ciclovia.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Sem dinheiro, não há milagres

O perdão de dívida era a única saída para a Grécia. Importante agora é analisar o impacto que este perdão terá na sociedade grega. Em principio, haverá uma escassez financiamento a médio prazo. Isto levará ou a um empobrecimento duro ou ao fim do Estado Social. Sem dinheiro, não há milagres.

Esta solução europeia, que passa por perdoar os gregos e fazer os estados entrar no capital da banca, está na linha do que os partidos à esquerda em Portugal têm vindo a defender para o nosso país. Contudo, o consequente empobrecimento será sempre devido ao neoliberalismo e ao capitalismo feroz. Sem dinheiro, não há milagres.

Não percam o próximo episódio porque nós também não.

P.S. Excelente infografia do Spiegel: The Most Important Facts about the Global Debt Crisis.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Plano Nacional de Barragens

Biosfera, da RTP2, sobre o Plano Nacional de Barragens, a 11 de Outubro de 2011.


Que terra é esta que nos rodeia dentro deste buraco?

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Era uma vez um guru

Três dias depois de Steve Jobs nos ter deixado, com o coro de lamentações que já aqui comentei, morreu Dennis Richie. É bem certo que hoje fomos agraciados com a perspetiva do próximo orçamento, e que isso retira espaço para este tema nas notícias. Mas Ritchie era uma figura incontornável da história da informática, tendo sido responsável pela conceção e pelo desenvolvimento do sistema Unix, que mais tarde deu origem ao Linux e ao FreeBSD, que está na origem do MacOS. Mais ainda, é um dos criadores (segundo Brian Kernighan, é mesmo o único) da linguagem C, que é, ainda hoje, a linguagem mais usada e que mais empregos dá (sozinha e em conjunto com as suas derivadas, C++, C# e Java). Ritchie criou essa linguagem para fazer sistemas operativos portáteis entre diferentes arquiteturas, o que foi um passo notável para quem desenvolvia arquiteturas, sistemas operativos e aplicações. Para quem não sabe, já o Unix era um sistema real (1973) escrito em C quando o Steve Jobs e o Bill Gates andavam a magicar o que queriam fazer na vida.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Genéricos

O que é um medicamento genérico? Genérico é um medicamento cópia de um medicamento original, comercializado após expirar a patente do princípio ativo do segundo. Para além disso, a cópia não passa pelo crivo de avaliação do medicamento original, a qual se baseia em ensaios clínicos diversos, na sua última fase com a população alvo. O genérico, pelo contrário, tem apenas de passar por um processo de avaliação da sua semelhança em relação ao original, nos chamados ensaios de biodisponibilidade/ bioequivalência. Isto quer dizer que um genérico é igual a um medicamento original? Que os dois são indistinguíveis? Não.

A prescrição por princípio ativo (ou prescrição por Denominação Comum Internacional, DCI) parte do princípio que um medicamento original e os seus genéricos podem ser igualmente receitados, bastando para tal referir o princípio ativo, a dosagem e a forma. No entanto, todos os intervenientes no processo sabem que os genéricos não são iguais aos originais e são mesmo diferentes entre si, o que origina situações caricatas de marketing.

Uma situação interessante é aquela que leva a que uma marca dona de um medicamento original crie um genérico do mesmo medicamento para competir no mercado de genéricos do princípio ativo desse mesmo medicamento. Atualmente as grandes empresas farmacêuticas estão a criar marcas alternativas para criar genéricos, tanto dos seus medicamentos como de medicamentos dos concorrentes. Parece um pouco estranho, mas é fruto da estratégia de preços: como os genéricos são vendidos mais baratos do que os medicamentos originais (e os preços são acordados com o regulador), o genérico que sai da mesma empresa que o original sempre serve para estancar a fuga das vendas para a concorrência.

É aqui que começa, então, a chamada prescrição de genéricos de marca. Um genérico de marca não é mais que o genérico fabricado por uma determinada empresa. Esta tanto pode ser a dona do medicamento original, como não ser. A prescrição por genérico de marca é uma aberração nos seus princípios, porque se faz sentido a existência de genéricos e a prescrição por princípio ativo, então não faz sentido prescrever explicitamente o medicamento original ou qualquer um dos seus genéricos em particular. No entanto, as farmacêuticas não se coíbem de publicitar a qualidade dos seus genéricos em detrimentos dos demais, o que é absurdo, porque em princípio genéricos e originais deveriam ser todos iguais.

Conclusão? Deixo ao vosso arbítrio, mas para mim é claro que (i) os genéricos são naturalmente medicamentos menos testados do que os originais e os médicos que os prescrevem normalmente não possuem indicadores fiáveis da sua eficácia relativamente ao original, (ii) a exploração dos genéricos é fundamentalmente uma estratégia para reduzir os custos dos serviços de saúde à custa da qualidade do tratamento e (iii) o marketing que antes era exercido pelas farmacêuticas ao nível dos médicos, para os orientar na prescrição dos seus medicamentos, será futuramente dirigido para os canais de venda e distribuição, por serem estes que passam a ter possibilidade de influenciar a escolha do paciente.

A médio prazo, temo que a estratégia dos genéricos “mate” a inovação da indústria farmacêutica, porque deixa de ser rentável descobrir uma molécula que seja um sucesso. Basta esperar que alguém o faça, para depois copiar e fabricar o genérico. Mas se todos pensarem assim, todos ficam à espera e nada acontece. Faz lembrar a história em que o professor dava a mesma nota a todos os alunos, sendo a mesma calculada como a média da turma. A nota, como é óbvio, foi baixando gradualmente porque todos deixaram progressivamente de trabalhar, contando apenas com o esforço dos demais. E o sistema convergiu para a nulidade.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

iRIP

No dia da morte do Steve Jobs era de esperar ouvir-se um chorrilho de enormidades acerca da figura em causa. E assim foi, as espectativas cumpriram-se, não foi preciso esperar pelo fim do jogo.

Steve jobs não era um guru da informática, como eu ouvi. Não concordo de todo com essa afirmação. Que me recorde, não há nenhum avanço significativo em termos informáticos, daqueles que nos mudam a vida, que se deva a Steve Jobs ou à Apple. O sistema de janelas, usado no MacIntosh, foi inventado pela Xerox, juntamente com o rato. O empacotamento de músicas em iPods, com carregamento via iTunes, não incorporou qualquer avanço tecnológico (o MP3 já existia). A utilização de interfaces sensíveis ao toque também na apareceu com o iPod, iPhone ou iPad, já existia.

Já agora, o que é que eu considero como avanços relevantes na área da informática, que mudaram a forma de encarar a informática e os serviços que dele dependem? Os conceitos base da Internet, os computadores portáteis e os avanços relacionados nas arquiteturas, as redes sem fios 3G e Wi-Fi, o HTTP e a World-Wide Web, o conceito de PDA criado pela Palm e o sistema operativo dedicado que inventaram para esse fim, o Google, a virtualização, que permite correr vários sistemas simultaneamente sobre o mesmo hardware, etc.

Afinal, em que é que se destingiu Steve Jobs, na área dos computadores?

Era, em primeiro lugar, um adepto fervoroso dos sistemas fechados, e é hilariante ver antigos fanáticos anti-Bil Gates e anti-Windows rastejarem submissos aos pés de quaisquer iTretas. E, mesmo nesses sistemas fechados, nenhum deles teve qualquer futuro em termos de plataforma de referência.

Era, sobretudo, um mestre do marketing, que percebeu que o seu nicho estava em gadgets caros e cujos serviços extras rendessem dinheiro à Apple. Os iGadgets não são mais do que isso, são brinquedos muito caros, perfeitamente dispensáveis, mas que se vendem por causa de algo muito forte: a vaidade e o interesse em mostrar a diferença, em demonstrar que eu posso e tu não, que eu pertenço a uma elite que tem um iGadget e tu não. Steve Jobs percebeu muito bem que se envolvesse alguma tecnologia decente num brinquedo com excelente estética, se o vendesse com um rótulo de uma marca de nicho (a Apple) e se o fizesse caro (o fruto proibido, neste caso por causa do peço, é sempre o mais apetecido), então tinha o seu futuro assegurado. É, no fundo, a estratégia Bang & Olufsen. E, claramente, a estratégia resultou. E vai continuar a resultar, porque a vaidade e o elitismo é algo que nunca desaparece. Nem em tempos de crise.