As declarações de Pedro Passos Coelho sobre os professores excedentários levantaram uma enorme polémica. Para lá da questão moral ou politica subjacente (deve um Primeiro Ministro incitar à emigração? As declarações foram mal interpretadas?), a práxis foi a usual e o debate político esvaziou-se de conteúdo e, sobretudo, de objectividade.
Havendo um excedente de professores, podemos questionar que papel (se algum) deve o Estado assumir na correcção desse excedente. Deve o Estado absorver o excesso no sistema público de ensino, redireccionando esses recursos humanos para outras funções? Deve o Estado promover a requalificação desta mão de obra para a redireccionar no mercado de trabalho? Deve o Estado fomentar serviços alternativos que podem ser desempenhados por professores, levando a que estes criem o seu próprio emprego aproveitando as suas qualificações actuais? Ou deve o Estado esperar que o mercado de trabalho se auto-regule?
A questão central é outra: há um excedente de professores?
Consideremos estatísticas relativas ao ano lectivo de 2008/2009. Na página 68 do pdf, encontramos o número de alunos por aluno:
Ensino | Alunos/Professor |
Pré-Escolar | 15,1 |
1º Ciclo | 14,2 |
2º Ciclo | 7,6 |
3º Ciclo + Secundário | 7,6 |
Estes valores foram obtidos através de dados não disponibilizados com a granularidade necessária para os trabalhar. Consideremos então a relação aluno/professor na sua forma mais crua, i.e. não levando em conta que um aluno pode ter vários professores e um professor várias turmas. Deste modo, o número de alunos por professor é obtido dividindo o total de alunos pelo total de professores. Na página 15 do pdf, temos o seguinte número de alunos e o número de professores:
Ensino | Nº Alunos | Nº Professores | Alunos/Professor |
Pré-Escolar | 274 628 | 18 242 | 15,1 |
1º Ciclo | 488 114 | 34 361 | 14,2 |
2º Ciclo | 271 924 | 34 069 | 8,0 |
3º Ciclo + Secundário | 1 021 482 | 91 325 | 11,2 |
Tanto no pré-escolar como no 1º ciclo do básico, a regra é um professor responsável por todas as matérias, o que faz com que o valor não se altere. Já nos casos do 2º Ciclo e do 3º Ciclo + Secundário, verificamos um aumento do número de alunos por professor, o que significa que o número médio de turmas ao cargo de um professor é superior ao número médio de professores de um aluno.
Podemos recorrer aos dados do World Bank para enquadrar globalmente estes valores (selecção de países minha):
| Mapa com a distribuição global do número de alunos por professor (vermelho mais carregado indica maior relação aluno/professor) |
Analisemos agora a flutuação do número de alunos por professor, em função da variação do número de professores, para o actual número de alunos.
Para ilustrar numericamente a influência da variação do número de professores na relação aluno/professor, consideremos a seguinte tabela, onde é apresentado o número de alunos por professor, para diferentes variações do número de professores.
Ensino | -25% Prof. | -10% Prof. | Actual | +10% Prof. | +25% Prof. |
Pré-Escolar | 20,1 | 16,7 | 15,1 | 13,7 | 12,0 |
1º Ciclo | 18,9 | 15,8 | 14,2 | 12,9 | 11,4 |
2º Ciclo | 10,6 | 8,9 | 8,0 | 7,3 | 6,4 |
3º Ciclo+ Secundário | 14,9 | 12,4 | 11,2 | 10,2 | 8,9 |
Var. Prof. Absoluta | -44 500 Prof. | -17 800 Prof. | +0 Prof. | +17 800 Prof. | +44 500 Prof. |
Analisemos agora a variação do número de alunos por professor em função do número de alunos, para o actual número de professores.
Para ilustrar numericamente a influência da variação do número de alunos na relação aluno/professor, consideremos a seguinte tabela, onde é apresentado o número de alunos por professor, para diferentes variações do número de alunos.
Ensino | -10% Alunos | -5% Alunos | Actual | +5% Alunos | +10% Alunos |
Pré-Escolar | 13,5 | 14,3 | 15,1 | 15,8 | 16,6 |
1º Ciclo | 12,8 | 13,5 | 14,2 | 14,9 | 15,6 |
2º Ciclo | 7,2 | 7,6 | 8,0 | 8,4 | 8,8 |
3º Ciclo+ Secundário | 10,1 | 10,6 | 11,2 | 11,7 | 12,3 |
Var. Prof. Absoluta | -205 615 Alunos | -102 808 Alunos | +0 Alunos | 102 808 Alunos | 205 615 Alunos |
Podemos também analisar qual deve ser a variação do número de professores que garante a actual razão alunos/professor, para uma dada variação do número de alunos. Este caso é simples, pois é possível demonstrar que ambos devem variar por igual. Ou seja, se o número de alunos variar X% e quisermos manter a mesma relação aluno/professor, então o número de professores deve diminuir variar também X%.
O número de alunos por professor é uma métrica que se centra na qualidade do ensino, embora isolada signifique muito pouco. É uma métrica muito relevante para a discussão sobre sobre o excesso ou a escassez de professores em Portugal. Com base nesta análise (ou similares), podemos tentar responder à questão central: há um excedente de professores? Só partindo daqui é que podemos analisar qual a posição que o Estado deve tomar e, consequentemente, discutir a validade moral, politica e prática dos comentários do Primeiro Ministro português.
As minhas turmas a partir do 2º ciclo nunca tiveram menos de 25 pessoas (eu era o n.º 25 e havia mais -- creio que éramos 29 no 5º). No 10º eu era o 19 e no 11º o 17.
ResponderExcluirPode é realmente ter havido muita contratação de professores desde ~2003. Mas acho estranho. Ou os professores estarem muito mal distribuídos por área.