sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Genéricos

O que é um medicamento genérico? Genérico é um medicamento cópia de um medicamento original, comercializado após expirar a patente do princípio ativo do segundo. Para além disso, a cópia não passa pelo crivo de avaliação do medicamento original, a qual se baseia em ensaios clínicos diversos, na sua última fase com a população alvo. O genérico, pelo contrário, tem apenas de passar por um processo de avaliação da sua semelhança em relação ao original, nos chamados ensaios de biodisponibilidade/ bioequivalência. Isto quer dizer que um genérico é igual a um medicamento original? Que os dois são indistinguíveis? Não.

A prescrição por princípio ativo (ou prescrição por Denominação Comum Internacional, DCI) parte do princípio que um medicamento original e os seus genéricos podem ser igualmente receitados, bastando para tal referir o princípio ativo, a dosagem e a forma. No entanto, todos os intervenientes no processo sabem que os genéricos não são iguais aos originais e são mesmo diferentes entre si, o que origina situações caricatas de marketing.

Uma situação interessante é aquela que leva a que uma marca dona de um medicamento original crie um genérico do mesmo medicamento para competir no mercado de genéricos do princípio ativo desse mesmo medicamento. Atualmente as grandes empresas farmacêuticas estão a criar marcas alternativas para criar genéricos, tanto dos seus medicamentos como de medicamentos dos concorrentes. Parece um pouco estranho, mas é fruto da estratégia de preços: como os genéricos são vendidos mais baratos do que os medicamentos originais (e os preços são acordados com o regulador), o genérico que sai da mesma empresa que o original sempre serve para estancar a fuga das vendas para a concorrência.

É aqui que começa, então, a chamada prescrição de genéricos de marca. Um genérico de marca não é mais que o genérico fabricado por uma determinada empresa. Esta tanto pode ser a dona do medicamento original, como não ser. A prescrição por genérico de marca é uma aberração nos seus princípios, porque se faz sentido a existência de genéricos e a prescrição por princípio ativo, então não faz sentido prescrever explicitamente o medicamento original ou qualquer um dos seus genéricos em particular. No entanto, as farmacêuticas não se coíbem de publicitar a qualidade dos seus genéricos em detrimentos dos demais, o que é absurdo, porque em princípio genéricos e originais deveriam ser todos iguais.

Conclusão? Deixo ao vosso arbítrio, mas para mim é claro que (i) os genéricos são naturalmente medicamentos menos testados do que os originais e os médicos que os prescrevem normalmente não possuem indicadores fiáveis da sua eficácia relativamente ao original, (ii) a exploração dos genéricos é fundamentalmente uma estratégia para reduzir os custos dos serviços de saúde à custa da qualidade do tratamento e (iii) o marketing que antes era exercido pelas farmacêuticas ao nível dos médicos, para os orientar na prescrição dos seus medicamentos, será futuramente dirigido para os canais de venda e distribuição, por serem estes que passam a ter possibilidade de influenciar a escolha do paciente.

A médio prazo, temo que a estratégia dos genéricos “mate” a inovação da indústria farmacêutica, porque deixa de ser rentável descobrir uma molécula que seja um sucesso. Basta esperar que alguém o faça, para depois copiar e fabricar o genérico. Mas se todos pensarem assim, todos ficam à espera e nada acontece. Faz lembrar a história em que o professor dava a mesma nota a todos os alunos, sendo a mesma calculada como a média da turma. A nota, como é óbvio, foi baixando gradualmente porque todos deixaram progressivamente de trabalhar, contando apenas com o esforço dos demais. E o sistema convergiu para a nulidade.

6 comentários:

  1. O último parágrafo descreve na perfeição a dúvida que me assola desde que se começou a falar deste modelo dos genéricos. Isto não matará a inovação? Não trará um aumento brutal para os novos medicamentos, o que fará que o acesso a medicamentos baratos seja feito à custa de um acesso a novos tratamentos muito mais caro?

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  2. iMedicine ?
    Associação de beta-testers de medicamentos em exclusividade, quota anual €300 ?
    Medicamentos open-source ?

    Alternativas [ao financiamento da investigação] há. Podem é ser estranhas...

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  3. A lei que o governo quer passar é que seja o farmacêutico a escolher o genérico mais barato. Eu tenho um problema com essa escolha, porque:
    1 - confio mais num genérico produzido pela empresa que desenvolveu o produto original
    2 - abre uma margem muito grande para abusos, nomeadamente limitar os stocks dos genéricos que não interessam financeiramente aos farmacêuticos
    3 - a Associação Nacional de Farmácias tem fábricas de produção de genéricos e por isso tem interesses muito fortes nesta área.
    4 - se o genérico da marca da empresa que desenvolveu o produto original for 0.30€ mais caro do que outro genérico disponível na farmácia, tenho todo o interesse em levar o genérico da marca.

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  4. Não é assim tão simples.

    Por definição, um genérico é igual a qualquer outro do mesmo princípio ativo (PA), logo se for para a frente a prescrição por PA, quem escolhe é quem paga (o utente). Se puder, claro.

    O que acontece é que o médico deixa de ter tanto controlo sobre a prescrição (ele pode sugerir um medicamento com o PA mas não impor) e o farmacêutico passa a ter mais controlo (ele pode sugerir, ou pode ter stock de apenas alguns genéricos). Para bom entendedor, é fácil de ver que os lóbis da indústria se vão deslocar dos médicos para as farmácias. Estes, entretanto, porque não estão de olhos tapados, é evidente que começaram a investir em indústrias de genéricos, e naturalmente promoverão os seus. Logo, a escolha dos genéricos irá ser fundamentalmente condicionada pelos farmacêuticos, independentemente da vontade dos compradores.

    Quanto aos genéricos da marca original, eles teoricamente serão iguais ao medicamento original, mas da teoria à prática vai uma grande distância. Como são vendidos mais baratos que o medicamento original, isso significa menos margens, o que pode implicar reduções de custos de produção, o que pode implicar alteração nos processos de fabrico, de controlo de qualidade, de acondicionamento, de transporte, deslocalização para países com mão de obra mais barata, etc. Ou não.

    Se tiveres possibilidade de comprar o medicamento original, é o ideal. Senão ... "faites vous jeux"!

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  5. A questão é, por uma questão de processos de fabrico, fica mais barato à empresa original produzir o genérico na mesma linha de produção, mesmo que o produto final não tenha passado pelos mesmo controlos de qualidade.
    Os genéricos de outras marcas têm outros excipientes e o princípio ativo pode ser obtido por processos diferentes do produto original. Essa diferença de processos, pode implicar diferenças na qualidade dos PA. Daí a diferença entre a teoria e a prática.

    O grande problema é nos medicamentos caros e com baixa saída, como anestésicos. Conheço casos de anestesias que correram mal depois de trocar para genéricos. Supostamente o genérico era igual mas as anestesias com os genéricos estavam a necessitar de maior quantidade do produto, o que pode indicar problemas com as concentrações ou a eficácia do princípio ativo.

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  6. A questão é que não usam a mesma linha de produção, porque a mesma tem normalmente custos que só podem ser suportados pelo medicamento de origem. Usam outras, mais baratas, mais adequadas à margem menor dos genéricos. Vê esta notícia:
    http://www.businessweek.com/magazine/content/06_09/b3973078.htm

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