terça-feira, 26 de janeiro de 2010

O meu Estado

Depois de uma longa ausência da blogosfera, tinha planeado voltar com algumas postagens durante estas (curtas) férias. Tinha vários temas em mente. Talvez demasiados, porque acabei por me sentir perdido no meio de tanto caos. Aí, decidi fazer um exercício um pouco mais generalista. Procurei entender o quanto mudei desde que comecei este blog e a que visão do estado e da politica portuguesa essa mudança me levou.

Hoje, sinto-me mais liberal, sobretudo no que toca à economia. Não anarquista. Acredito que a longo prazo, o mercado trata de equilibrar a riqueza de uma forma justa. Mas apenas se o mercado for verdadeiramente livre. Um contra-exemplo usualmente atirado contra o liberalismo (sobretudo o norte-americano) é a recente crise financeira. Não posso deixar de discordar, visto que a grande alavanca que levou a este crash foi toda a problemática com o sub-prime, que foi criada através de uma intervenção estatal no mercado imobiliário. Portanto, esta crise, embora tenha surgido num mercado tradicionalmente liberal, veio de uma medida que de liberal tem muito pouco.

Acredito que se o mercado funcionar de forma verdadeiramente livre, acabará sempre por convergir para um equilíbrio justo. Quando se desvirtuam as regras de mercado, este responde... desregulando-se. Criam-se desequilíbrios, muitas vezes camuflados como equilíbrios sociais, atingidos à custa de uma brilhante intervenção estatal. Esses equilíbrios, que de equilibrados têm muito pouco, são temporários. E quando o seu prazo de validade expira, mostra a sua verdadeira cara de desequilíbrios, com a balança sempre a favorecer os já favorecidos.

Vejamos o caso do (des)emprego. O paradigma em Portugal, após a revolução, foi (é?) de uma defesa acérrima dos direitos dos trabalhadores (falar em direito dos empregadores é tabu no nosso país). Tomaram-se assim várias medidas de proteccionismo cerrado ao emprego. Salutar, dirão muitos. Justo para os trabalhadores, gritaram imensos.

Será mesmo? Essas medidas levaram-nos a menos desemprego? Não me parece. Levaram a mais justiça social, nomeadamente na distribuição da riqueza? Não, um redondo não. Intervenção do Estado no mercado, com medidas que visam favorecer os trabalhadores na sua relação com o empregador. O resultado? Está à vista: a balança inclinou-se mais uma vez para o grande capital. O trabalhador acaba como vitima de inúmeras formas. Uma das mais curiosas que me lembro é quando um trabalhador decide passar a empregador, e aí acaba por ter as asas cortadas, porque o voo implica pagar um valor insuportável para direitos dos trabalhadores. "Trabalhadores" esses que não chegam a existir, porque os seus direitos são caros.

Depois temos os apoios do Estado a empresas. A certas empresas, convém acrescentar. Isso viola uma das leis básicas do mercado: igualdade. Quando certos intervenientes no jogo têm regras especiais, é natural que o terreno de jogo fique inclinado. E quem paga essa inclinação são os consumidores, no final de contas. Temos ainda a ineficiência do Estado no pagamento das suas dívidas, na devolução do IVA, entre outras, que leva a que empresas com dificuldades tentem sobreviver em vez de tentar crescer, enquanto o grande capital tem margem de manobra para continuar a implementar o seu domínio. Acrescentando ainda a lentidão na justiça, não é nada surpreendente o estado actual da nossa economia.

Uma outra forma de intervenção estatal está no IVA. 20% não é muito; é demais. Estamos a falar de diminuir em 1/5 o poder de compra dos consumidores, o que naturalmente tem um impacto brutal no mercado. A justificação para este imposto é nobre: suportar os custos de ter um Estado. Os custos da democracia.

Idealizo o Estado como uma entidade vigilante e reguladora, apenas intervindo directamente numa área que dificilmente será privatizável: a Justiça. Acrescentaria talvez a Saúde. Temos ainda a vertente de apoio social, embora tenha algumas dúvidas sobre a eficiência de um sistema de apoio social centralizado e pesado.

É na necessidade de um sistema judicial justo que reside a razão de ser de um Estado. É esta necessidade que justifica que cada um de nós contribua com um pouco do seu trabalho para suportar os custos de um Estado. E é aí que chego a sentir uma certa revolta. Pois se o Estado falha redondamente na sua principal função, qual a justificação para os 20% de IVA?

12 comentários:

  1. O estado deve actuar principalmente nas áreas da justiça/segurança/devesa, na saúde e na educação. Sou apologista de uma sociedade baseada na meritocracia, em que a condição económica não deve limitar o acesso a uma educação de qualidade. Naturalmente, o contexto socio-cultural influencia o desenvolvimento de cada indivíduo, mas isto não deve ser exacerbado por barreiras económicas a um ensino de qualidade (para quem o merece).
    O apoio social também é extremamente importante, mas mais que a questão da gestão centralizada, existe um problema de reconhecimento de direitos e deveres. Infelizmente, existem muitas famílias que recebem subsídios do estado, por declarar baixos rendimentos e, ao mesmo tempo, trabalham no mercado paralelo ou mesmo em actividades ilegais. Se existisse mais fiscalização e as pessoas tivessem a noção que quem rouba ao estado, rouba a todos nós, talvez o apoio social seria mais justo e até superior.

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  2. Um exemplo a que posso chamar de inspirador é um discurso do David Cameron.

    "But this idea that for every problem there's a government solution for every issue an initiative, for every situation a czar …

    It ends with them making you register with the government to help out your child's football team. With police officers punished for babysitting each other's children. With laws so bureaucratic and complicated even their own attorney general can't obey them.

    Do you know the worst thing about their big government? It's not the cost, though that's bad enough. It is the steady erosion of responsibility. Our task is to lead Britain in a completely different direction.

    So no, we are not going to solve our problems with bigger government. We are going to solve our problems with a stronger society. Stronger families. Stronger communities. A stronger country. All by rebuilding responsibility."

    Fausto, concordo contigo, sou adepto da meritocracia. Quando falas no reconhecimento de direitos e deveres, tocas precisamente no ponto que me cativou no discurso do David Cameron. E aí entre um pouco em discordância com o que dizes. A verdadeira solução não passa por maior fiscalização. Passa sim por responsabilizar os cidadãos. Isso doí, é anti-popular. Mas é essencial.

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  3. Bem, eu já tinha escrito um longo texto quando, por desastre próprio o perdi. Recolho portanto, em curtas frases as ideias principais do texto que, desaparecido, me enraivece agora...

    1) Quanto ao tema em debate, tendo a concordar com o Fausto - mas não é isso que me traz a este comentário.

    2) o que aqui me traz é o Sr. David Cameron.

    3) Os seus "discursos inspiradores" vão-lhe valer a eleição, à custa também da falta de Carisma de Gordon Brown.

    4) O partido conservador britânico é aliado na europa da direita polaca - negação do aquecimento global, homossexualidade = doença e mais pérolas dos gémeos polacos - e de pendor fortemente anti-europeísta.

    5) O partido conservador britânico, com as suas propostas de políticas de imigração facilmente criará um ambiente propício a situações como as que se vivem hoje em Itália.

    6) O partido conservador britânico, com as suas propostas de justiça, não vai resolver - e provavelmente vai piorar - a situação débil de certas camadas sociais que são fértil terreno para o crescimento da criminalidade e delinquência juvenil;

    ... E assim, fugindo aos assuntos económicos, venho aqui manifestar apenas o desagrado pela quedo do Reino Unido nas mãos deste senhor de Eton. E os discursos inspiradores de David Cameron inspiram-me apenas esperança de que eu possa terminar os meus afazeres neste país o mais rapidamente possível quando ele chegar ao Poder. Porque "há vida para além do orçamento"...

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  4. 1) Estou perfeitamente de acordo com o Rui e com o David Cameron nesta questão da responsabilização.

    2) A solução de aumentar fiscalização é a mais fácil em teoria. Entretanto não se aumenta a eficiência do Estado tornando-o cada vez mais pesado.

    3) JV, tenho que discordar da tua posição:

    a) Se o Partido Conservador for contra a teoria do Aquecimento Global Antropogénico, então eles têm o meu apoio. :)

    b) A invasão muçulmana no UK, principalmente de radicais anti-ocidente é preocupante. Algo precisa ser feito antes que seja tarde demais.

    c) O Labour está no poder há muito tempo (desde 1997). Por isso, além da falta de carisma do Brown, vejo também que (vou falar a engenheiro) houve fadiga de material.

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  5. Jorge, eu também concordo com o Fausto, pelo menos em parte. Apenas sinto que o foco não deve estar na fiscalização, mas sim na responsabilização.

    Quanto ao David Cameron, confesso não conhecer assim tão bem o homem, mas este discurso é de facto muito bom. Tens de procurar elaborar um novo texto, pois deves ter uma ideia do homem muito mais completa do que nós por cá.

    E eu cá estou como o Tiago: se o Partido Conservador for contra a teoria do Aquecimento Global Antropogénico, então eles têm o meu apoio :D

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  6. já em larga fuga ao assunto em debate, lanço duas perguntas.

    uma genuína: porquê da vossa posição relativamente à teoria do aquecimento global antropogénico?

    uma provocatória: acreditam que uma política que desresponsabiliza o Homem pelas consequências nefastas (sejam elas aquecimento global ou não) de irresponsabilidade ambiental pode ser levada a cabo sem consequências devastadoras?

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  7. Bem, não me vejo como eu céptico em relação ao tema do aquecimento global. Mas claramente sou um céptico em relação a qualquer histerismo (a gripe A é um bom exemplo).

    É uma história mal contada, manipulada mesmo. O Climategate só veio confirmar isso mesmo. O Sr. Al Gore... bem, por vezes atinge o ridículo. A comunidade cientifica não está toda de acordo em relação a este tema, e só isso deve motivar uma reflexão bilateral. O que não acontece, porque só se dá destaque ao lado histérico do problema.

    Para começar, logo o termo aquecimento global é discutível, no mínimo. Isto porque aparentemente vamos entrar agora numa época de arrefecimento. Que depois será sucedida por uma época de aquecimento. Que por sua vez será sucedida por arrefecimento, and so on. Como aliás acontece há séculos.

    Depois há a questão do CO2: parece que é aceite globalmente que os humanos são responsáveis por (apenas) 3% das emissões. Ora, considerar-mo-nos assim tão importantes ao ponto de mudar o curso natural do planeta é um pouco demais.

    Aliás, é aí que entramos num contra-senso. Houve já épocas muito mais quentes que as actuais (época medieval, por exemplo), sem que houvesse industrialização. Parece que estes ciclos de aquecimento-arrefecimento são naturais. Ora, os extremistas-verdes, tão pró-não_mexermos_no_planeta, querem travar este ciclo natural?

    Depois temos as questões dos interesses económicos envolvidos, mas isso é uma história ainda mais longa.

    Agora, há aspectos positivos a retirar de toda esta onda "verde". Alertou a população para o desperdício, para a ineficiência energética e afins. Mas daí a falarmos em fim do mundo, vai uma longa caminhada.

    Não acredito numa politica que passe por pagar impostos para poder poluir. Quem tiver dinheiro, pode andar de carro altamente ineficiente ou jacto privado e, para se redimir, planta umas árvores. E pronto, é um amigo do ambiente. Quem não poder plantar árvores, lá terá de andar a pé. Mais uma vez, o Sr. Al Gore é um bom exemplo do que uma politica assim pode gerar.

    Deve haver investimento na melhoria da eficiência energética, no aproveitamento de energias alternativas, na optimização de recursos, em outros. Sim, é fundamental. Mas não podemos resolver o problema atirando dinheiro para cima da mesa. Aliás, esse é um dos maiores problemas da sociedade actual: pensamos que tudo se resolve atirando dinheiro para os problemas.

    Assim, respondendo à tua provocação, não acredito numa politica que desresponsabilize o Homem pelos seus actos. Mas também não acredito numa politica que passe apenas por pagar para poder poluir.

    (Jorge, para quando o post sobre o David Cameron? :-) )

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  8. Ah, esqueci-me de referir o Glaciergate ;-)

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  9. Mais um excelente post,com um tema interessante! O teu post levou-me a levantar mais algumas questões: Que Estado queremos para o nosso país? E que Estado temos no nosso país? No meio destes problemas todos, por onde começar a resolver a situação? Haverá alguma resposta para estes problemas? Será possível gerar um consenso em torno de pelo menos uma das questões que assolam o nosso país? Será que o nosso país tem pessoas capazes para mudar esta estado de sítio? Se eu estivesse à frente deste país conseguiria mudar alguma coisa? E muitas outras questões se me levantaram com o teu post. E se queres que te diga, não tenho uma resposta para muitas delas. Vou pensar bem no assunto e vou tentar responder a algumas delas com ideias, tentando não levantar mais questões ou problemas.

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  10. Realmente é assustador olhar para os valores que o Rui enumerou. Penso que o problema reside nas àreas de acção do estado. Para mim os três pilares da educação, saude e justiça são essencias, e a maior parte do orçamento deveria reflectir essa divisão. Relativamente às grandes obras públicas acho um erro tremendoo estado intervir financeiramente (tendo em conta o estado económico actual). Quanto às vias de comunicação, acho que o estado deve ter um papel preponderante para conseguir fornecer a todos os portugueses as melhores condições de mobilidade. E aqui acho que reside o maior défice do estado. Não são concebiveis os numeros de euros utilizados no orçamento para a construção de auto-estradas. E isto não é uma questão de mercado, mas de investimento. Na minha opinião, o mercado nunca irá ser liberal exactamente por causa dos maus investimentos. Maus investimentos levam a perdas que têm de ser compensadas de alguma forma, e a unica forma de o estado obter dinheiro suficiente para cobrir esses custos é regulando o mercado.

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  11. Relembrando as teorias económicas, o mercado perfeito só existe quando o número de produtores e consumidores é infinito. Todos os outros modelos de mercado são defeituosos e por tal necessitam de regulação para demonstrarem comportamentos semelhantes a um mercado perfeito, apesar de não o serem.
    Em relação aos investimentos do estado, as infraestruturas devem existir para permitir o desenvolvimento de novos negócios. Acho que o investimento directo em empresas é uma má politica. Deve-se apenas criar um ecossistema propício ao desenvolvimento económico.
    No entanto, penso que as infraestruturas locais e regionais deveriam depender de impostos gerados nesses mesmos locais.
    Por exemplo, cidades dormitório, nas áreas metropolitanas do Porto e Lisboa, obtêm muitos rendimentos pelos impostos imobiliários. No entanto, esses impostos não revertem para o desenvolvimento das infraestruturas de comunicação, nem para a carga que resulta dessas pessoas entrarem e saírem todos dias da metrópole. Este deslocamento de impostos gera um défice resultante de suportar uma população que usufruta dos serviços da metrópole, sem contribuir para a mesma com os seus impostos.

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  12. Sim, Fausto, é mais do que sabido que um mercado perfeito não existe, e isso motiva a existência de regulamentação. Mas uma coisa é regular, fiscalizar, outra coisa é intervir, fazer parte do jogo. Os desequilíbrios criados com essas intervenções trazem consequências nefastas, e quem as paga são sempre os consumidores. Quando falo em mercado liberal, não defendo a não existência de um agente regulador. Mas acredito (e aqui trata-se mesmo de fé) que se deve limitar ao máximo a intervenção do Estado no mercado.

    É precisamente como dizes: "o investimento directo em empresas é uma má politica. Deve-se apenas criar um ecossistema propício ao desenvolvimento económico." O problema reside no facto de a segunda frase, com a qual concordo, ser muitas vezes deturpada, e usada como justificação para apoio estatal a certos intervenientes ou produtos.

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